Somos assim
À medida os anos passam, apesar do conceito quase coletivo nos tornarmos mais experientes e sábios, percebo nem sempre o fato ser fato. Pelo contrário, a questão se transforma, digamos, em algo mais acirrado em determinados aspectos, ficamos mais estúpidos até. A iniciar-se com o curioso relacionamento a dois.
Ontem um grande amigo, animado por boas doses de uma batida de limão siciliano, em roda pequena após uma feijoada (infelizmente não das melhores), inquiriu a todos sobre o assunto. De maneira que disséssemos o que em nós mesmos mais nos agradava; e talvez à parceira ou parceiro. Na minha vez consegui apenas levar adiante que a convivência comigo não seria das piores, pois "sei deixar um banheiro, após o uso, como se ninguém houvesse usado..."
Fraquíssima.
Mas de qualquer modo, outro enaltecer das minhas vantagens seria de arrogância extrema e o pior elogio, já ouvia isso desde criança, ser o auto-elogio. Não caí na armadilha.
Capcioso o método do amigo, no fim sairam-se todos com as esfarrapadas afirmações de "que vale o companheirismo", "a amizade no casal" e assim por diante.
Uma despachada e simpática senhora e outra, a minha mãe, porém manifestaram conjuntamente aquilo que percebi é patente nas relações humanas de adultos. Ambas separadas ou enviuvadas de seus primeiros maridos relativamente jovens, enalteceram em discurso quase efusivo o segundo companheiro. A segunda tentativa é quase sempre a bem sucedida.O que vem depois é melhor e tenho a impressão que para muitas mulheres, quiçá a maioria, a frustração de ter o mesmo pentelho ao seu lado por tantos anos azeda o cotidiano. Mais sensíveis, se enchem do cara com o passar dos anos.
Fui dormir pensando em tudo aquilo e imaginei o que seria o mágico azeite para uma relação entre parceiros menos conflitante.
O cuidado com as palavras? Regar com elogios todos os dias, como flores, "fakeando" um pouco a relação? Ser sempre respeitoso e correto? Ou simplesmente deixar correr e na hora dos apertos diplomaticamente tirar o time do campo, dizendo que a bola anda murcha e o campo molhado?
Não achei resposta convincente. Até o ato de ser respeitoso e correto pode dar na telha, algumas mulheres querem tango e viagens, pequenas loucuras surpreendentes e menos "respeito".
A lógica entre os gêneros humanos evidentemente é diferente. Não adianta impor ao outro seu modo de pensar. Conviva apenas, seria a boba e monótona solução.
A deliciosa (e verdadeira) afirmação que o "casamento se traduz na relação entre criatura que sempre está certa, correta e sofrendo por um lado e o marido pelo outro", não deve ser totalmente ridicularizada. Há fundo de verdade, até na piada.
Porém para completar, imaginei também o que pelo meu lado seria agradavelmente recebido como um toque de compreensão e harmonia. Concluí:
Mulheres sempre esperam algo de novo, arrojado, volúvel, moderno e ousado de seus parceiros, ser assustador às vezes, estúpido até. Adoram situações novas; até com homens sofridos, grandes ou pequenos devedores, bandidos, traidores ou simplesmente mal sucedidos. Basta ver as filas aos domingos nas portas das prisões. Apenas mulheres, amor e moral não andam juntos.
Por isso o que de fato arrebata o coração de uma mulher (se isso for seu interesse) é fazer algo, mesmo não aceito cotidianamente, para encantá-la.
Nós homens porém esperamos muito pouco, pois, arrogantes em média, nos bastamos. Queremos apenas sossego, comida na mesa e bem feita, cama e banheiro limpo e um pouco de erotismo. Quando a relação se torna complexa, quando tudo é posto em dúvida, quando até o conforto extremo se torna alvo de discussão e parentes se tornam ícones intocáveis por uma ou outra razão, nos perdemos. E alguns abandonam a vida conjunta, à procura de algo mais simples.
Somos assim.