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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Dans la merde

A alegria do domingo para um pobre escriba como esse que os aborrece, começa com a leitura do caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo. É um anteparo adorável aos restantes obrigatórios temas de leitura, como a indigesta política à frente, prato preferido de colunistas, redatores e repórteres.

Talvez o inconsciente desejo humano de estar perto de quem diz decidir destinos.

E nesse fim de semana passado, o Ilustríssima com um interessante ensaio sobre a escatologia, o ato às vezes hilário de escrever-se sobre excrementos, gases, terminações intestinais e assim por diante. Do Moacyr Scliar.

Longe de qualquer crítica ao grande escritor e seu formidável artigo, poderia ter incluído algumas mensagens nativas de âmbito escatológico, de nossos autores. Limitou-se aos digamos primeiro-mundistas, de hoje e antão, em pesquisa quase acríbica.

Daí lembrei de meu livro, dos parcos três que escrevi, O bizarro cotidiano sensual Littera Editores, 1995 que um grande amigo certa vez criticou de forma crua:”Seu livro, caro amigo, não apenas trata sobre bosta, como também é em si uma grande merda...”.

Menos lisonjeiro, mas devo ter merecido. Mais adiante tivemos de Rubens Fonseca, Secreções, excreções e desatinos, de 2001. Com algum lastro no Bizarro, incluindo o trabalho de capa, quase idêntico. Até fiquei orgulhoso.

Resuma-se porém que ambos livros não são lá grande coisa...

Outra obra escatológica recente é da Patrícia Melo, Jonas, o copromanta, 2008. Acho que a excelente autora se perdeu nesse, pois se me é dado o direito a qualquer comentário, apenas repetiria o que meu amigo disse sobre o meu livro... Penso que a moça imaginou a continuação do escrito de seu mentor Fonseca, sem entusiasmo porém.

Mas a vida é escatológica.

Hoje ao chegar ao empreguinho, aquele que supre o que não se ganha com a escrita, percebi à portaria um forte, digamos, olor de primavera: de frescos excrementos. Lembrei de provérbio alemão:

Frühling wird es aller Orten
Stärker riecht es auf den Aborten

Olhei ao redor e encontrei a origem, me arrasando. Um sujeito jovem, sob uma manta, dormindo na calçada, cabeça contra o muro, provavelmente bêbado, barbado (mas seguramente não petista) e com perdões pela expressão, todo cagado.

Fotografei, pois aprendi a andar com a câmera.

A escatologia cotidiana é apenas triste e cruel. Não tem a menor graça.

Mas faz parte de nós, somos assim.



*É a primavera em todos os rincões
Com os fortes odores nos privadões

1 A princípio nem se percebe ser um ser humano. Disse o porteiro, "o bom de hoje em dia, é que ao menos têm uma manta...". Será?

2 Mas, exalando o fresco olor de fezes (sinal que havia se alimentado) evacuadas etilicamente por sob sua manta, pensei comigo: chegarei a isso? Não sei, não sabemos. Somos assim.

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