Dinâmica distinta
Nesses caminhos da vida topa-se com figuras das mais variadas. Desde forneiro humilíssimo, a secar cacau nos escondidos da zona da mata baiana, ao garboso capitalista e investidor dos nórdicos confins. De ambos as noções do dever são claras, não há meios termos. Sabem o que fazem e o que querem. Cada um à sua maneira.
O forneiro sempre admirei. Mantém a madeira queimando, horas a fio; controla a temperatura e orgulha-se secar o cacau de forma constante e sem sobressaltos. Profissional. Invejável.
Certa vez, numa fazendola ousei adquirir por lá, observei durante muito tempo o respeitável trabalho do sujeito. Um mestre.
A fornalha não mais existe, a secadora desmoronou após a tal doença da vassoura-de-bruxa ter dizimado o pouco de cacau havia, por falta de uso. Ruínas. Terras à venda.
A figura do sujeito jamais me saiu da mente, exemplo do profissional engajado. Frio, metódico e duro. Mesmo sabendo eu ser o homem que comprara a roça, dava ordens curtas e grossas para afastar-me da porta da fornalha, das madeiras, não bulir com os grãos de cacau e por aí vai.
Ontem passou por aqui outro profissional, admirável. Um capitalista-investidor-empreendedor. Lembrou-me o forneiro.
Busquei-o no hotel mais mais mais de Sumpa, coisa de 1000 paus e um pouco pelo quarto simples; sem café-da-manhã. Queria conhecer a empresica onde trabalho, pois segundo seu tom, em duro alemão, a América Latina ainda era uma “mancha branca” em seu mapa e isto “tinha que ser mudado”.
Decidira o centro dos acontecimentos por aqui ser Buenos Aires(!), onde já havia constituído escritório e as empresas a necessitar de seus produtos, lá comprassem; mesmo se brasileiras, chilenas ou de algum outro tipo de nação embananada. Era seu postulado estratégico, sempre certo, sabia disto.
Contou-me faz 12 anos comprou barato as dívidas de um distante concorrente nosso nas plagas de Bismarck e, com duro trabalho, hoje faturava o triplo, algo na projeção de muitos milhões de reais/ano.
Ufa!
Já havia conquistado a China, os EUA, a África do Sul e Austrália. Faltaria o conjunto das republiquetas daqui. Tinha se tornado até maior que importante cliente, a desprezá-lo; por pouco leal em concorrência recente, a comprar de “inimigo” seu, resolveu esnobá-lo, tornando-se maior.
Jogos de guerra...
Afundei cada vez mais em minha cadeira, com medos do homem e seu discurso na linha “ou conosco ou vocês estão acabados, mortos e enterrados”. Perguntou-me com olhar perscrutante qual era a perspectiva de uma firmeca como a nossa sobreviver a esta luta, com tecnologia de oitava qualidade? Disse a ele já nos imaginava alugando a fábrica para estacionamento, com melhor retorno. Riu e retrucou: brincando não é, verá! Perguntei quanto estaria disposto a pagar aos sócios da empresica para começar com algum respaldo por cá, telhado sobre a cabeça a proteger das flechadas hostis. Nada, respondeu. Deveríamos agradecer por ele dignar-se oferecer seu rico nou-hau para juntos, ele em maioria, dobrar a espinha dos seus concorrentes americanos por aqui; e parece estariam montando seus acampamentos. Porém dinheiro, jamais.
Vagamos pela fábrica, achou boazinha; citava números estratosféricos de sua produção em terras teutônicas, comparando.
Por fim perguntei, com o devido respeito, qual era a margem em empreendimentos como o dele, por lá. Gordos 3%, após impostos. Ri-me internamente, daria no total menos que a empresica silvícola. Refiz a pergunta, incrédulo. Duro cortou: na Alemanha, neste setor, isto é “top”.
Perguntou como era aqui. Desconversei: bem menos, muito menos...
Satisfeito seguiu para a repalpitante capital platina, a organizar a queda da selvageria latino-americana. Pingando profissionalismo.
Gostei de ver.
Antes ainda perguntou se poderíamos fornecer equipamentos para suas primeiras vendas. Claro, claro... sem problemas, mas serviria este lixo de oitava?
Não devem ser muito exigentes por aqui, grunhiu.Tem razão o nórdico, somos assim.