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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Envelhecendo

Alguns raros humanos gostam de ir a médicos. Certa compulsão, refletindo o desejo a forma encontrada de, no outro, identificar todas as soluções para seus problemas.

Não sofro do mal, pelo contrário, vejo em médicos técnicos ultra-preparados, todavia como todos nós, de tempos em tempos, se embananam com o aspecto psíquico de seus pacientes, não sabem muito bem enquadrar determinado assunto ventilado. E se perdem.

Pois parte da máquina de que cuidam, a máquina humana, é regida pelo sentimento ilógico e esse aspecto é complicado de avaliar.

Muito complicado.

Por esses dias pari um cálculo renal, coisa chata e dolorida. A questão, assim se diz, é meramente técnica, uma pedra precisa sair por um canal menor que seu diâmetro. Aplica-se algo contra a dor e certo sistema eletromagnético para destruir a pedra. Menor, ela desce e fim do problema.

Mais adiante, porém, surpresa, surpresa: aquela ilumina o caminho da minha vida com facho forte, programou uma revisão geral de 53.000 km; e lá fui eu.

Nove ampolas de sangue para saberem até de meu nível de potássio (eu nem sabia a gente tem potássio mensurável...). Um ecocardiograma para ver se está tudo no tamanho certo na bomba principal, para a progressiva idade, e, a não fazer feio, um ecograma das carótidas (não me perguntem, já fiz três vezes e nunca me explicaram direito para que serve, estimo nem eles sabem direito).

Por fim a tal “prova de esforço”, chamo de Teste-Hamster, onde após uma depilação muito pouco erótica, ligam uma série de sensores em seu peito e o colocam a correr, feito hamster neurótico em sua gaiola, para ver até onde o velho agüenta...

E um jovem médico, quase imberbe, com sua prancheta, verifica o espécime e aquele olhar comum dos médicos: “ora-panaca, você-não-sabe-de-nada...”

Todos os testes feitos, fui à entrevista final com o médico. Sujeito simpático, de nome Wenceslau. Pela primeira vez nesses anos todos não me interessei pelos resultados na Internet. Penso sempre num artigo li onde alguém, médico, avaliou o que seria benéfico ou não saber, até onde devemos nos angustiar, procurando e procurando com testes e exames algo enfim grave? E depois?

Cantarolando um curioso: “Quem tem medo do Wenceslau, Wenceslau, lá, lá, lá...” fui à entrevista para as recomendações finais. Porém tive o cuidado de não mentir na inicial, sempre assim um dos meus heróis, o fictício Dr. House do seriado gringo, afirma, penso com razão: todos os pacientes mentem! E ainda havia levado uma testemunha, minha filha mais velha!

Lá veio o rol de recomendações, em vista dos problemas. Sim, sou definitivamente hipertenso, pois para gordo e sedentário isso é certo como eleger-se a Dilma. Não tenho apenas cálculos renais, mas também biliares, entretanto não devem incomodar, ainda.

Os triglicerídeos em meu sangue estão em 250 mg por litro (270?) significa uma imediata dieta “pobre” em massas, pão, gorduras, açúcar, e muito exercício; sem álcool.

Pensei em mosteiros tibetanos, comendo trigo cru e bebendo leite de éguas...

Único prazer permitido seria sexo doze vezes ao dia, mas quem se dispõe a isso... ou consegue...

E depois umas duas horas de caminhada.

Impossível, todos sabemos. Não queremos. Quem sedentário há 40 anos não muda seus hábitos da noite para o dia, nem de um mês para outro. Irrita-se com as ameaças de psicologia zero da maioria dos médicos: se não fizer então... Alguns já se vêem mortos em caixões, e a viúva perguntando ao advogado como será a partilha, pois há contas a pagar...

A máquina humana tem software complexo e altamente falho, com instruções confusas e repetitivas, de tempos em tempos. E péssimo de reprogramar, sou prova do assunto. Alguns médicos outourgam-se conselhos mais amenos: vamos começar com isso, e talvez um pouco mais de movimentação naquilo lhe dá alegria, etc.

Razoável. Entretanto a maioria ainda prefere ameaçar: se cuida, senão...

É como informar ao alcoólatra seu hábito ser moralmente inaceitável... Nonsense, trata-se de uma doença, mas a maioria ainda condena.

1 Saudável, sem dúvida. Sol, mar, peso certo e a desinibição adequada. Mas não somos assim.

Comentários (clique para comentar)

- 13/08/2010 (09:08)

Era para atenuar, meu dôce! Na verdade penso que boa parte da atividade médica se lastreia na hipocondria, na vaidade e no medo. São bons técnicos, sem dúvida. Muito dedicados. Mas o que talvez irrita a um e ao outro, infelizmente comum aos ditos, é a maldita mania de superioridade no sistema "salvamos vidas e os demais que nos admirem". Penso as escolas médicas poderiam ter um curso de "modéstia no trato com os demais humanos", já que se diferenciam tanto, ou assim pensam.

emilia - 13/08/2010 (01:08)

raros humanos? tá louco? o mundo civilizado sempre viveu uma hipocondria epidêmica meu caro!