O teatro é teatral
Por Ildásio Tavares, de Salvador
Comecei a me meter com teoria do teatro aos 18 anos. Eu ensinava literatura americana na ACBEU e nesse semestre, com a intenção de desenvolver o coloquialismo dos alunos, a disciplina era American Theater. Nada mais adequado porque o teatro é a arte que mais usa a língua popular. Por isso, a arte que mais sofre do dilema: curvar-se perante à sua época, e ficar datada em pouco tempo ou apelar para uma linguagem mais erudita., arriscando-se a ser o maior purgante.
A Comédia A Eufrósina de Jorge Ferreira de Vasconcelos, contemporâneo de Camões, possui mais de 200 palavras que, até hoje, nem os mais renomados filólogos conseguiram decifrar. Até hoje, qualquer nativo falante de português aldilá do semianalfabetismo, pode ler Os Lusíadas, vazado em português culto, relatinizado, clássico, digamos do Século XVI.
Fiquei assustado, na época, ao ser escalado para dar esse curso. Mas logo relaxei. Dentro do maravilhoso sistema didático americano cuida-se do professor tanto quanto do aluno. Sem dúvida, um dos motivos do sucesso dos empreendimentos americanos no mundo é o seu sistema educacional que prepara os cidadãos acima de tudo para aprender, como aprender e porque aprender. Nós aqui estamos apenas preparados para ensinar.
Recebi um manual. Teoria teatral e peças americanas destrinchadas, dissecadas e explicadas. Ensinar desse jeito era covardia. Não obstante, o professor dedicado aprendia ao mesmo tempo que os alunos e com mais profundidade, inclusive adquirindo um conhecimento na área básico, sólido e sem mistificações. Estávamos na era Edgard Santos, Martim Gonçalves, A Ópera dos Três Vinténs de Brecht encenada nas ruínas fumegantes do TCA. Não perdi uma peça. Lendo-as com know how. Vi Othon Bastos imitando Stanley Kowalsky em A Streetcar Named Desire de Tenessee Williams, um Nelson Rodrigues refinado. Depois soube que Martim tinha passado o filme de Elia Kazan exaustivamente para o elenco marlonbrandizando o pobre Othon. É o axioma de Chacrinha: nada se cria, tudo se copia.
Minha mãe era da SCAB. Desde 10 anos, ela me levava para ver os prodígios de Alexandrina Ramalho. No Rio, não perdíamos teatro. Cheguei a ver O Pedestre de Martins Pena com Fernanda Montenegro novinha no Ginástico Português. Bem mais tarde, na UFBA, me obrigaram a ensinar teatro português, até hoje um enigma pra mim.
Fora Gil Vicente, nada que preste. Nem A Castro de Antônio Ferreira, primeira peça européia em prosa. Não há dramaturgia na língua portuguesa. Glauber no megagabinete de Prestes no Kremlim, viu três imensas fotos na parede. Jorge Amado, Niemeyer e Guilherme Figueiredo, único dramaturgo de língua portuguesa montado por lá, por razões das raposas capitalistas. Não sei porque diabo uma língua com epopéia das 3 melhores do mundo, o melhor poema moderno, Tabacaria, do Pessoa, eleito pela crítica francesa e ficcionistas nível Eça e Machado só vive chutando na trave no teatro.
Será vai surgir algum avatar do Século XVI em 500 anos de solidão?