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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

O parente do homem

“Ainda tem alguém?”

“Não, senhor Presidente, acho que por hoje era isto.”

“Dona Menina está onde?”

“Assistindo a novela, senhor Presidente.”

“Ela anda falando pouco...”

“Senhor?”

“Pára com esse senhor-para-lá, senhor-para-cá. Te conheço faz tanto, ‘num’ tem mais ninguém aqui. Pára com isso, ‘pô’. Traz um uísque.”

“É que eu fico o dia inteiro nessa coisa de senhor-senhor, acabo acostumando...”

“A gente somos parente, cacilda, pode ‘falá’ solto aqui, meu!”

“Então está bem.”

“A CPMF se foi ‘mêmo’, né?”

“’Cê’ ‘vacilô’”

“Por quê?”

“Ora. Organizava um plebiscito, argumentando que em aumentar de 0,38% para 0,6% em contra-partida eliminar-se-ia o Imposto de Renda Pessoa Física, jogando mais 30.000.000.000 de reais no movimento do país. Arrecadando outros adicionais 0,6% sobre estes. Acabava com aquele papelório maluco e atravancamento de Internet em entregar declarações, com suas milhares de mutretas e erros. Esquentando a economia, mais dinheiro em circulação.”

“Interessante, não pensei nisso...”

“Seria tranqüilo; o povo aprovava na primeira, pois ninguém, a rigor, estava se incomodando com a CPMF. E fim do IRPF? Seria inédito no planeta; e sem perdas! A maioria pagava pouquíssima CPMF, nem sabia quanto era. Se o grosso da turma movimentasse 0,6% sobre 2.000 reais, daria 12 paus. Porcaria. As firmas abatem do Imposto de Renda mesmo, nem entra nos cálculos.”

“E você só cuida da porta e dos uísques... quem diria...”

“Não é imposto injusto; é até democrático. Mas virou bandeira da oposição, dançou-se, com mil perdões.”

“Já pensou? Aquele bando de funcionários da Receita ao invés de olhar declaração de dentista de Brejo Alto, olhando com calma as declarações dos grandes empreendimentos? Verificando melhor as importações e exportações? Daria mais arrecadação. E mais justa...”

“Pois é. Mas ninguém pensou assim.”

“Até que você pensa... outra sugestão?”

“Transformar o FGTS em seguro-desemprego pleno. Simples. Ao invés de afogar o demitido com um monte de grana, que em 90% dos casos perdem em bobagens ou ajustando dívidas, passar-se-ia para que fosse pago em prestações equivalentes a 80% do último salário. Com juros. Pelo próprio FGTS; e a tal ‘multa’ de 50% pela empresa. Em prestações.”

“Hã?”

“Explico: pega a soma do fundo do camarada. Junta a multa. Divide por 80% do salário do cara. Se ele tiver 15.000 no FGTS, soma-se 50%. Dá 22.500. Ganhava 1.000 reais. Pega 80% disto: 800 reais. 22.500 dividido por 800 reais, 28 pagamentos de 800 paus mais um jurozinho. Pode ficar dois anos procurando emprego, por exemplo, com o mensal seguro pingando numa boa, certinho. E as empresas ainda pagariam o INSS parte da empresa do cara; elas topariam, tenho certeza. Menos dolorido e amortece a pancada da multa de 50%, paga de uma só vez. Uma distensão imensa para todos, segurança financeira em maior prazo e incentivo a novos empregos, por haver encargos demissionais iguais porém em prazos melhores.”

“’Pôxa’, você é ‘estudado’, é? Pensa, não é?”

“Mais ou menos, por quê?”

“Porque não entende nada de política...”

“Hã?”

“Fazer a coisa mais confortável para o público, seria a última meta de um bom político por aqui. Só complicamos propositadamente, aumentamos e deixamos claro que está tudo bem. Simplificar a coisa, como propôs, seria um absurdo. Temos que ter muita matéria para negociar. O público aceitaria sua idéia e haveria tranqüilidade, mercados em paz, economia desvinculada da política. Como na Suécia, Finlândia. Ninguém quer isto aqui. Queremos negociar emendas, pedir valores por fora, desviar impostos, empregar parentes e amigos, garantir a confusão tributária para advogados ganharem bem e caos jurídico-trabalhista para os outros causídicos. 35% dos nossos políticos são advogados. É um super-lobby.”

“Ou seja: nada pelo povo em si...”

“Exato! Só os programas sociais. 1,8 % do Produto Intermo Bruto. Dezoito bilhões de um trilhão... Este número decorei. O ‘amendigalhamento’ oficial.”

“Por isso nada muda...”

“Por isso sou presidente. E você metido a intelectual serve uísque; estudado, com emprego arrumado por pistolão. Me dá outro !”

“Posso tomar um?”

“Claro! Tem cigarros?”

Saúde!

Comentários (clique para comentar)

Hermógenes - 28/01/2008 (09:01)

Marcos Cintra de Albuquerque, o homem que por aqui divulgou a idéia do imposto único, professor FGV e que, se pensarmos bem, saberemos que é boa idéia (tanto que o governo, até sendo PT lutou para que permanecesse, de simples e barata arrecadação sem fiscalização complexa e corrupta) deveria ter sido melhor ouvido. Mas como digo e também todos sabemos: o sistema todo é lastreado em corrupção e lobbies. Muita e muitos. Somos assim, não queremos simplicidade.

Jorge dos Santos - 27/01/2008 (19:01)

Admiro-te pela modéstia. Só “um tantinho” de corrupção?! E a praia, a novela e o BBB? Viva nóis!

Hermógenes - 24/01/2008 (14:01)

Nós não queremos saída.. só samba, suor, carnaval e um tantinho de corrupção. Somos assim, por isto votamos nestes caras, com a desculpa "voto no menos pior...".

Reinaldo - 24/01/2008 (11:01)

... quem nos dera... se essas coisas fossem de caso pensado, teríamos saída...