Unglamorous Bukowski
Coisas que se aprende: Charles Bukowski era nascido na Alemanha, me parece de mãe nativa e soldado americano, em 1920. Uma curiosa inutilidade; como tenho a mãe teutônica, verifiquei com interesse.
Repassei o apanhado biográfico, porém nunca nada li do homem, apesar de sua fama. Uma vergonha não ter; confesso não me interessei. O estilo “podrão”, regado a muita cana, a se apaixonar em cada esquina, briguento e sempre duro, com empregos de oitava, em vida soturna pelas ruas das cidades americanas não me encoraja. Deprime. Assusta.
Mais adiante, com algum sucesso, o Bukowski faz palestras em universidades, agredindo o público. Daí a atratividade, talvez.
Com seus seguidores, voluntários ou não. Até por cá.
Visito velho amigo. Levo uns vinhos, queijos, algum pão. Santa ceia, me passou quando desembalei os troços. Sua terceira ou quarta companheira, não lembro mais a ordem numeral, prepara delicioso repasto. Coisas da sua ibérica terra de origem. Fumamos.
Ele, autêntico bukowskiano sem os poemas e palestras, com os olhos quebrados de quem já se despediu dos encantos terrenos, dopado por algum troço forte para segurar a ânsia ao vil vício, beberica fermentados. O puro lhe foi proibido por quem o acolhe, alma das mais cristãs. E pelo médico destas clínicas, as que tentam ajustar o camarada por prata pura. Donde havia saído, coisa de semana após uma tremenda liturgia alcoólica de conclamar a ira de deuses e fés obscuras. E amarelar a cara e corpo, sinais o órgão precioso de nós latinos, o fígado, já andar rateando.
Não sabia, havia descido ao patamar do “fuck-off everybody”. Observei o entorno, a criatura que o embala, a proteção. A amante-amada-anjo lamenta a mesa de vidro, destruída em tropeço bêbado. O desmaio em banheiro público, após doses retumbantes. Lembra do pai velhinho a buscar o filho, cego de etílicos, em botecos de última. Riem. Recorda brigas, de tempos melhores, bons e maus amigos. Reminiscências.
Terminou a tarde. Estava um tantinho mais leve com nossa raríssima presença : o outro amigo e eu. Havia tomado banho, aos insistentes pedidos nossos. Pôs uma camisa, a vedar o halo bukowskiano. Contou casos, riu de outros. Imaginou projetos.
Nos fomos; olhei com tristeza para o grande amigo no ir. Nocauteado por Baco, trêmulo. Como um velho mastro ao vento do tempo, despido da já esfarrapada bandeira do orgulho. Segui com meus temores.
Gostamos de beber, com suas conseqüências; somos assim.