Século XXI
Moleque comentava com minha irmã por volta do ano 2.000 as coisas seriam muito certas e melhores. Não haveria mais carros, somente uns troços modernos voariam e nos levariam sem trânsito para onde quiséssemos. Comunicações sem fio mundiais e robôs: coisa cotidiana. Assim como passeio à Lua, ou, talvez, Marte. Influência de desenhos animados. Lembram dos Jetsons?
Nossa referência era, por fortíssima derivativa dos americanos e seu modo de vida, toda lastreada naquilo visto em filmes e TV. Mundo limpo, todos com bons dentes, carros imensos, ar-condicionado, geladeiras de duas portas e a tralha toda. Ainda a agüentar os filmes com crianças e cachorros amigos ou episódios de “Combate”, onde meu pai, resignado, só dizia: Hollywood coloca os soldados alemães sempre como perfeitos idiotas, correndo de encontro às balas dos gringos, esses que sempre agachadinhos e, no máximo, levam tiros de raspão.
Uma terrível decepção foi, quando já maior, com a mesma irmã das fantasias futuristas ir conhecer Nova Iorque. Ano do bicentenário da independência deles; a cidade com algum problema administrativo-econômico, pois imunda, as ruas esburacadas, pessoas grosseiras e detalhe jamais esquecerei: o porto onde estavam ancorados os navios-escola tinha a água preta de óleo; e os cascos dos navios envoltos em milhares de latas de refrigerante boiando, entre papéis e plásticos.
Frustrante, pois o paradigma do mundo certinho estava mais para Rocinha do que Genebra.
Adulto percebe-se e sabe-se nada disto é tão importante, nem determinante. A rigor pouco mudou. Temos o computador pessoal e o fone celular. De resto os filhos com menos problemas dentários de tanto enchermos o saco deles irem escovar o pianinho e e e e... e mais nada.
Os aviões são os mesmos Boeings e Airbuses de 30 a 45 anos atrás, com a mesma velocidade, só mais apertados. Robôs domésticos não há, carros continuam a circular congestionando tudo, poluindo; o “voador computadorizado individual” nunca foi inventado. Continuamos a morrer de câncer, onde a cura pif-paf, ligeira, não apareceu. Não há passeios para a Lua nem Marte. Não surgiu ninguém depois de Einstein com melhores explicações sobre o que ocorre de fato neste grande vazio-cheio, nosso universo. Ninguém fez adendos à Bíblia, muitos ainda lêem e relêem a tentar entender o que se escreveu 2.000 anos atrás, achando ser o certo e definitivo.
Ontem assistindo certo insosso noticiário de fim-de-dia, percebi o céu fechar-se. O granizo desceu com força. O sinal do satélite da TV foi cortado. Dizem com nuvens pesadas corta mesmo. Logo após houve queda de energia elétrica. Desde meus zero anos quando chove forte falta luz.
Lembrei de uma musiqueta sobre o Rio de Janeiro, algo como “Cidade Maravilhosa, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz...” ou parecido. Pulo para Salvador, super-celular comprado para acesso à Internet via noutebuque e todos os viciantes e-mails acessíveis. Por Zeus, o troço, certo conhecido como sistema Vivozap, é tão lerdo, voltando ao eixo São Paulo-Rio, me lembrou o pai se esgoelando ao telefone para conseguir fazer o tal interurbano para o Rio. Marcava-se o horário com a telefonista (sempre as imaginei muito gostosas, em comentário inútil aqui...) e uma hora ou duas após tocava o troço; lá ia a ligação. Sistema bom, poderiam adaptar aos e-mails via Vivozap...
Portanto, como digo, pouco mudamos. Somos assim.