Língua e linguagem
Por Ildásio Tavares, de Salvador
Talvez pior que o obscurantismo seja a perversão da ciência a serviço do poder, da corrupção, do enriquecimento ilícito. Já no Século XVII, um luminar da ciência britânica, Sir Francis Bacon, lançava um ensaio antológico em que definia os ídolos do conhecimento, ou seja, aquelas atitudes que voluntarizam o conhecimento ou transformam-no num instrumento de interesses diversos e até contrários à perfeita higidez científica, violando, de chofre, a neutralidade axiológica.
Entre eles, o preconceito.
100 anos após definida cientificamente como terapia inócua e prejudicial, a sangria continuou a ser aplicada. Quase cem anos após ser exatificado cientificamente em literatura o primado do texto, ainda vicejam o historicismo, o sociologismo, o biografismo, o conteudísmo. O psicanalitismo, e, o cúmulo dos cúmulos, a avaliação ideológica, política e etnocêntrica.
A partir desses falsos posicionamentos epistemológicos, a literatura passa se subordinar a outras áreas da ciência que se tornam mais importantes do que aquilo que, numa taxonomia fechada, eu chamaria ds específico literário. Costumo dizer que não se pode jogar futebol com regras de basquete, pôs a mão na bola é falta. Em um livro sobre a literatura do Cabo Verde, o saudoso Manuel Ferreira comete toda espécie de heresia, do ideologismo ao etnocentrismo. Com pitadas de biografismo. Após situar os autores, conclui sucintamente que sua obra tem valor porque tem engajamento social. Pior de tudo, afirma taxativamente que a cultura chega à África quando Portugal lá introduz a imprensa. É um horror.
O grande criador esmera-se por sua obra. O criador pequeno esmera-se pela sua pessoa; pela sua vaidade; pelo seu reconhecimento.
Com exceções. Sabedores da sua fragilidade, os criadores pequenos se juntam, em clubes, associações, academias, sociedades, ao lado até de grandes criadores. Conquistam o poder artístico e passam a exercer a tirania seletiva do compadrio e do tráfico de referência, da corriola do elogio mútuo, discriminando quem não os bajula, mesmo que tenham mais talento do que eles; discriminando mais esses aí que lhe são perigosos e os podem desmascarar.Sua obra é breve e de pouco fôlego.
Na Roma de Michelangelo, este não era reconhecido pela Acadenia. Certa feita, em escavações, descobriram uma escultura de mulher que por sua qualidade foi considerada grega. A escultura romana antiga, nem nas cópias da grega, conseguiu a ela se equiparar. Faltava um braço à estátua. Foram chamados membros da Academia Romana de Artes que se deliciaram com a estética perfeita do achado. De Repente, Michelangelo abriu caminho entre os doutos mestres.
Trazia um objeto na mão. Assustados, os fariseus viram-no acercar-se da estátua e nela implantar o braço, restaurando sua perfeição.
A literatura se perfaz de textos, não de comendas, prêmios, honrarias. Ao redor de todos grandes criadores sempre houve uma caterva de medíocres sugando seu axé, adjetivos aparecendo às custas do substantivo de outrem. Querem enfatizar o subjetivo da arte até um conceito para ocultar a fragilidade de seus textos; valorizar a fachada.