Vamos destruir?
Há muitos anos, pensando nas minhas origens campestres por parte de pai e mãe e casado com moça do interior baiano, comprei terrinha, em lugar imaginaria quase intocável. Sonhei em produzir algo de nobre e ambientalmente menos agressivo à época: cacau. Criar algum gado e também deliciar-me com a calma, a casinha, passeios a cavalo e todas as outras bobagens se imagina de vida no campo.
Chamam a gado nascido por aqui em primeira geração de gado PO (puro de origem), requer cuidados distintos. Não tem toda a rusticidade necessária para adaptar-se, falta certa mescla. Sou do gênero gadus homus, infelizmente PO e a falta de rusticidade percebi quando em primeiro explorar da fazendola fui apetitosamente atacado por bando de carrapatos “micuim”, e direito a alergia com coceiras e feridas por longos meses. A realidade campestre era outra, porém nunca me desfiz da terra, tenho alguma apreço pela natureza que lá redominou.
O cacau durou pouco pois certa doença conhecida como vassoura de bruxa dizimou as roças, sobrou-me o gado cuidado em parceria com cunhado, entretanto sem maiores ímpetos ou investimentos.
E suas agradáveis conseqüências, as roças de cacau abandonadas retomaram seu vigor florestal nativo, hoje boa parte da fazenda é mata atlântica em regeneração. Pensava até remover o pouco de gado ainda existe e simplesmente deixar a natureza seguir seu curso, corrigindo uma ou outra falha como espécies não-nativas, prevenir contra a caça e monitorar os limites.
Se possível.
Apesar de acreditar-se ser algo simples, não é. Ontem recebo do diligente e cuidadoso cunhado (são 25 anos de modesta sociedade em gado) ligação, informando certa empresa de engenharia de Salvador gostar de receber autorização para efetuar medições na área da fazenda, em vista de linha férrea com comprimento a determinar e largura de 80 metros ser lá instalada.
Pela primeira vez disse não, não daria a autorização. Por infelicidades do destino, a tal fazendola fica na linha comunica Salvador com o eixo Itabuna e Ilhéus, além da linha Barreiras-Ilhéus, passando por alguma área nova de mineração de ferro. Portanto, a pacata Ilhéus e seu modorrento porto querem transformar em nova Ponta da Madeira, em São Luis do Maranhão fez belos estragos. Com o fim do turismo, sua grande fonte no momento.
Além de rasgar toda a região cacaueira e seus restos de mata atlântica com ferrovia desnecessaria, pois já existe porto em área totalmente destruída próxima a Salvador (Aratu), bastaria ampliar. Todavia construtoras querem construir, prefeitos e sindicatos querem criar empregos, o cacau muito diminuiu (éramos o número dois, hoje importamos...) e minha rocinha, certamente, sem maiores pedidos de licença será varada pela linha de trem, assim como já ocorreu com linha de alta-tensão e dois oleodutos.
Ou seja, a idéia de lá passar maiores períodos olhando os pássaros provavelmente será desfeita, pelo chacoalhar de trens, vazamentos de oleodutos e o vibrar das linhas de alta-tensão.
Queremos destruir, temos o direito como aqueles que destruíram a Europa, a América do Norte e agora arrebentam Índia e China. Quase já acabamos com o Pará, estamos dando os toques finais com a usina Belo Monte. E o Rio Madeira também já sente as porradas, com a nova usina para "alumiar a vasta Amazônia". A Bahia por muito era respeitada pela beleza de sua costa e o correto seria o turismo, mais preservacionista. Porém a ganância também chegou, para o diabo os hotéizinhos, é a hora do trem, do porto grande, da indústria automobilística, dos terminais, da grande soja, do níquel e da felicidade para o povo com todo este progresso, garantida a reeleição.
Somos assim, para o inferno com os se alegram por pedaço de mata ou praia vazia...