Os emigrantes
Der Mensch braucht ein Plätzchen
Und wär´es noch so klein
Von den man kann sagen
Sieh´, dies ist mein
Hier bin ich
Hier bleib ich
Hier ruhe ich aus
Hier ist mein Heim
Hier bin ich zuhaus`*
Como amigo diligente fui à defesa da dissertação de uma formidável criatura, a discorrer sobre o escritor e cientista literário alemão W.G. Sebald. O orientador e dois vetustos secundantes, em quase cansativa jornada durante duas horas e meia analisaram e divagaram sobre o robusto trabalho da mestranda.
Robusto a ponto de ir pesquisar arquivos pessoais do autor Sebald em Marbach (cidade natal de Friedrich Schiller, o grande poeta alemão) na Alemanha, além de acompanhar longos seminários sobre o precocemente falecido escritor, na Inglaterra, onde aquele residiu e lecionou literatura alemã.
Um dos membros do triunvirato, que à romana não mais quantifica o mérito do trabalho, mas como aos gladiadores determina o destino com polegar acima ou abaixo, fez curiosa afirmação durante o debulhar do trabalho da jovem senhora.
Em determinado instante, após citar várias vezes seu aparentemente autor favorito, o filósofo Walter Benjamin, não sei se em discreta autoanálise critica o trabalho da jovem mestranda, recomendando não “deixar-se levar pelo peso e influência do autor, patente em seu trabalho (...)”.
Outra mestra e ouvinte, que em trabalho hercúleo dedicou-se por 10 anos à complexa tarefa de traduzir Wilhelm Klemperer, um ícone à complexa questão da literatura alemã e seu entrelaçamento com a temática étnico-religiosa, comentou comigo: -“É impossível! Que idéia...”
De fato, a estudar-se obra e vida de um autor de renome, não é normal dizer-se a quem o faz dedicar-se ao assunto com frieza e indiferença a ponto de repelir “influências desse ou dessa” no trabalho.
Talvez consciente do seu trôpego endosso ao impossível, não divergiu dos outros dois componentes da banca e o grau de mestre foi concedido, com inegável mérito. E forte aplauso, a quebrar um pouco a austeridade do ambiente e da instituição.
Mais adiante, retomei em pensamentos o assunto e li algo sobre o autor, pois é natural dar-se mais peso às obras do que à biografia do escritor nesses trabalhos. Sebald é um sujeito um tanto melancólico, assim sua escrita pela única obra que dele li, Os Emigrantes (Cia. das Letras, 2009). Sua questão neste livro é a insolúvel procura de algum aconchego e progresso ao emigrar-se, mormente cidadãos expulsos como os emigrantes forçados, cite-se entre esses a nata da literatura alemã nos anos 1930 até 1945, por obra dos animalescos políticos nazistas.
Nata que ao autor estudado fascina: seu trabalho de mestrado e posterior doutorado, tal qual nossa jovem amiga, são sobre autores alemães, porém no caso Sebald, alemães judeus.
A dissertação da jovem curiosamente tem a composição lapidada em terras distantes, pois a faz na Índia. Emigrante temporária, em sua língua natal escreve sobre certo autor, cujo desterro voluntário, assim como o seu, traz alguma paz para a escrita, nem sempre possível sem uma pequena dose de solidão e distanciamento de um cotidiano mais conturbado.
Porém Sebald, e a agora mestra, conscientes de origens e da questão voluntária, seguem caminhos distintos. Entretanto por alguns momentos navegaram juntos, sem jamais se conhecerem.
Serão assim, os emigrantes?
Outro personagem distante de sua terra natal, minha mãe, do alto de seus 79 anos e alguma perda da memória recente, ao ouvir de mim sobre o tema do mestrado da jovem, lembrou-se da antiga saga do pobre viajante, que tudo perde e em plagas distantes cria seu lar, como faz em parte Sebald. Como ela, jovem.
A saga traz junto um pequeno poema, traduzo livremente:
* Necessitamos de um cantinho
Por menor que seja
Do qual dizemos
Este é meu
Aqui estou
Aqui fico
Aqui descanso
Aqui é meu lar
Aqui estou em casa
Às vezes, voluntários emigrantes ou não, o cantinho definitivo é distante do local de origem, o que me assusta um tanto...