Torpor cívico

De Delhi, Índia

Talvez a segunda razão para vir à Índia seja a minha manifesta admiração por Mahatma Gandhi e sua infelizmente pouco cultuada pregação da não-violência. Com esta idéia no coração, em determinado momento pedi aos amigos daqui (estes a razão principal da viagem) se poderiam mostrar onde o grande líder fora ironicamente vítima, daquilo pregava era o flagelo principal da humanidade: a violência.

Atendido com muito carinho, fomos ao Birla House, uma magistral mansão em Nova Delhi, onde o Mahatma por alguma ( constrangedora mas aceita) decisão se instalara em quarto despojado após a libertação da Índia.

Não sei se ocorreu aos demais, mas a mim talvez embalado por alguma procura de experiência distinta neste levemente incoerente cotidiano aqui se observa, passei por alguns momentos de torpor cívico.

O local é naturalmente místico, apesar de um tantinho mal-cuidado pelo significado que detêm. Porém de alguma forma ao visitante deixa forte marca (se espaço disponível para tal), saber que em determinado momento, dentre nossa história geral sempre violenta, desde quando anotamos os fatos, este senhor miúdo ali assassinado sugeriu algo diferente: abdicar da violência e enfrentá-la sem reagir.

Havia poucas pessoas por lá em nossa visita (raro na populosa Índia), muitas não se interessaram pelos detalhes, como no singelo quadro envidraçado no qual estão fixados os “valores terrenos” de Gandhi: seu cajado, seus panos, os óculos, uma colher, uma cuia, um garfo, sua caneta, um lápis e o livreto de anotações; e se não me falha a memória um exemplar da Gita, o livro suporte do hinduísmo. Ao lado de sua cama (apenas um colchão ao chão, um rolo de encosto e a roca, cujo simbolismo faz parte da bandeira indiana por sua sugestão).

Comovi-me, intensamente.

Mais que na gigantesca catedral de Málaga, vista alguns dias antes e suas odes pomposas a outro determinado não violento pregador, Jesus, o que também pagou com sofrida violência; e me faz admirar a determinação destes senhores, cuja idéia ficou, mesmo se não cultuada na prática por seus seguidores, ainda hoje violentíssimos, na Índia felizmente um tantinho menos

Sou assim.