Que país é este?
De Gurgaon, Índia.
Sinceramente não sei. É intenso, luminoso, seco, quente, sujo, lindo e feio. Como brasileiro me surgiu descrevê-lo sendo mistura de Grécia antiga e sertão do Piauí, onde se fala dialeto escocês amalgamado com sânscrito, de milhares de pensadores e cientistas provectos mesclados a quase bilhão de analfabetos e semianalfabetos; imensa democracia sem voto obrigatório e maciça participação, mas que regida pelo sólido sarneyismo de cá, desde a morte de Gandhi a turma de Nehru e seus descendentes têm a palavra.
Não é país encantador, se visto sem o filtro do onipresente misticismo. É miserável, árido e cheio de arestas sociais, desde macérrimas vacas e crianças perambulando atrás de restos, a suntuosíssimos edifícios numa cidade como Gurgaon, ao sul de Nova Delhi, criada em lugar quase ermo a partir da instalação da filial indiana de call center da GE americana em 1998 e hoje coalhada de 1,2 milhões de habitantes.
Doze anos, que tal? A maior concentração de atendentes telefônicos do mundo, para suprir os EUA. Por isto parte do cotidiano e horário da cidade se molda em fuso horário de 8 a 9 horas e à sempre demandante gringolândia. Às 2 da madrugada trânsito de meio-dia...
Queda de energia a cada hora, a maior aglomeração de geradores de emergência do planeta, a cidade fede a diesel e fumaça.
Umbilicalmente ligada à antiqüíssima Delhi, e seu bairro novo, de 1911, onde os ingleses mostraram pela última vez sua decadente força, construindo uma Brasília (menos ostensiva e mais baratinha), a New Delhi.
O pior trânsito do planeta, nossas marginais paulistanas em obras são exemplo de planejamento de tráfego ao lado da confusa questão por cá. Não há regras, anda-se como quiser, as buzinas a tocarem constantemente; faixas, vias preferenciais, etc. solenemente ignoradas. Às vezes surge um elefante, vacas e bois, algum camelo, o sikh e seu turbante, isentado de usar capacete em motos (seu deus deve saber melhor como protegê-lo).
Sem ofensas, tudo lembra um pouco a chegada de um gigantesco mambembe circo da infância.
Em alguns pontos as marcas de passado glorioso; e palacetes, palácios, tumbas, parques e monumentos.
Povo indecifrável, nestes poucos dias que aqui passei, iniciando pelo seu próprio adaptado linguajar anglosaxão, complexo de entender. Sem metáforas, quase juvenis todos. Alegres entre si, sérios com o malvado estrangeiro alvo, claramente diferenciado já nos preços de ingressos aos parques, não-residentes têm o preço decuplicado; associado a hábitos curiosos como homens andarem de mãos dadas ou sentarem em colos. E com grande trunfo em relação à América e África em desenvolvimento: cultuam a tão aclamada não-violência gandhiana, com primor.
Os índices de violência indianos pelo tamanho da população são irrelevantes, nós brazucas continuamos campeões mundiais em matar, assaltar e furtar; em números totais e absolutos. Assediam mulheres porém, de forma desagradável. Isto constrange. Entretanto por aqui anda-se pelas ruas sem preocupação, em qualquer horário. A grande maioria dos vigilantes, policiais e seguranças desarmada. Assaltos a bancos, lojas, automóveis ou pedestres são praticamente desconhecidos. Talvez os antropólogos devessem revisar a teoria que miséria e violência caminham juntas...
A pouca presença de mulheres pelas ruas, nesta sociedade ultra-machista, é marcante. A ponto de matarem recém-nascidas, pela “infelicidade” de não ter mais um varão trabalhador para o sustento da vida exclusivamente familiar. Estimo também como maluco mecanismo inconsciente macrossocial, para conter um tanto a explosão demográfica de um país, cuja economia dobrou de tamanho nos últimos dez anos.
O modus vivendi indiano está sendo soterrado rapidamente pela avalanche globalizadora, e as massas de produtos e marcas adentrando o cotidiano, de refrigerantes americanos e seus acompanhantes salgadinhos, celulares coreanos e a praga do momento por cá, os automóveis.
Autoritários e obtusos os governos, neste ponto não se diferenciam dos demais povos, todavia com poder nuclear para destruir o eterno inimigo e vizinho Paquistão. Entretanto sem ímpetos para investir em usinas nucleares para gerar energia, queimando caro petróleo importado. Crescimento desordenado, caótico diria.
Uma pena.