E la nave va...
De Gurgaon, Índia.
Conta minha parceira seu pai ter sido grande viajante, homem absorvia com alegria as novidades apareciam durante as jornadas. Paisagens, hábitos diferentes e vicissitudes de outros observava com cuidadosa acribia, porém sem críticas.
Conheceu o país todo, deu volta ao mundo, entretanto preocupado com a saúde após certo diagnóstico menos favorável, deixou algumas programadas para o imaginário; e à leitura, por onde certamente muito aprendeu, sem o deslocamento físico.
Saindo de Santos nesta gigantesca nau lembrei-me dele, próximos fomos por tantos anos. Posso estar enganado, todavia penso ter tido em mim alguém com quem alegre compartilhou histórias vividas e talvez depositado alguma confiança, apesar de genro (e se divertia em histórias irônicas, quiçá algumas sarcásticas, escritas sobre as criaturas de parentesco adquirido, em seu saboroso apanhado de crônicas Os Genros).
Pelos anos Lula, e dizem a crise superada em terra brasilis, o navio está literalmente “dominado” pelos compatriotas. Certamente como se alegraria o sogro, por isso dele lembrei. Normalmente nós brasileiros éramos minoria em viagens, a alegria de cruzar com compatriotas pelo mundo afora reduzida, pela raridade; nossa então economia modesta e certa, como dizem os baianos, tabaroice, acentuada falta de traquejo com outros linguajares e hábitos, não induzia a viajar mundo afora.
Pois neste flutuante literal silo de gente, com seus 2.700 passageiros, penso ¾ serem da terrinha. Os anúncios a bordo iniciam em português, a maioria dos tripulantes de outras paragens tem conhecimento da língua já que ficam, por meses, pela costa brasileira, seu veio de ouro. O cardápio sofreu adaptações e a determinante intolerância brazuca aos horários rígidos, algo sagrado nas férias, faz parte da rotina. Incluído o café da manhã prolongado (e seu indefectível mamãozinho laxante...), o almoço até 15:30, toalhas de piscina gratuitas (e ignorar a falta de tocas para as senhoras e seus cabelões tão valorizados, e os se desprendem, vão para a água mesmo). Além de, acredito pouco simpático para os demais passageiros, filmes no cinema de bordo dublados em português, sem legendas.
La nave va, ma in modo brasiliano.
Fiquei curioso em esboçar o que se diz o perfil de tantos brasileiros. Percebi todos muito bem vestidos, a maioria acima de seus 55 anos. Consomem fartamente as garrafas de uísque a 90 dólares por unidade, dançam pouco os homens, mais as mulheres, jogam e apreciam o entretenimento oferecido pela companhia napolitana. Caminham muito, preocupados com o peso e saúde, por farto tombadilho, mais de 500 metros por volta. No que conversam e como às vezes o faço só, o caminhar, aprecio os fiapos ouvidos.
Com minhas, perdões se erradas, conclusões.
A primeira é a maioria ser de funcionários públicos ou de estatais, ativos ou aposentados. Com a ressalva boa parte dos passageiros brasileiros ser nordestina e lá o normalmente emprego público ser a primeira prioridade. Têm, portanto, o tempo, menor responsabilidade e o dinheiro para a longa empreitada, principalmente os aposentados. Concluo isto, maldosamente, por jamais perderam palavras sobre o que fazem ou faziam na atividade profissional. Sem desmerecer as categorias, mas convenhamos além de tanto maçante, o funcionalismo público ou estatal não é motivo para apaixonante discurso sobre a profissão.
Oficial de justiça aposentado, militar reformado, funcionário dos bancos de governo ou ex-ministro de tribunal de contas não têm muito a contar ou valorizar das respectivas áreas, nem impressionam ninguém, principalmente a outros do metier.
Seguindo adiante, apesar de maduros, bem maduros até, o discurso permanece quase adolescente.
Sobre amores perdidos (“... e quando ele fez 60 anos, me enchi, mandei o chato passear, pé na bunda, não me importa ser o pai dos meus filhos...”). A respeito da esperteza brasileira (“... e aí pedi uma dose extra para o garçom indonésio, escorreguei 3 doletas e ele me trouxe logo duas, na faixa...”); e sobre os outros: não fomos os inventores da fofoca, entretanto a cultuamos com destreza (“...aquela ali, olha só, naquela idade e com a calcinha marcando, tenha a santa...).
Ao contrário de outros povos, excetuados os americanos, mas não por isto, elevamos o tom da voz quando em grupo no exterior. Mostramos certa alegria superior, esculhambamos em bom português sobre os hábitos locais e rimos mais alto, sempre mais alto. De qualquer forma sabe-se logo quem somos. Are you Brazilian? seguido das bobagens de oh yes, Ronaldinho, como se achassem todos sermos íntimos do craque.
Enfim, somos assim.