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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Entre dois mundos não tão desiguais

Mais velho, tenho exercitado o pensamento relacionado ao crescer entre duas culturas, dois mundos distantes entre si; e tão próximos. Não são mundos muito distintos, apesar de querermos interpretar assim. A porção do continente onde cresci, a chamam Brasil, era colônia européia até recentemente, em termos históricos. Falamos língua européia, nos trajamos como aqueles e nem nosso “esporte nacional”, o tal futebol, é coisa daqui.

E percebo as resistências por ambos os lados, de aceitar esta curiosa conjunção. Nós daqui com o nefasto e constante complexo do cocar*; e os de lá, a nos taxarem de ex-colonizados iletrados e interessantes apenas pelas praias e mulheres...

Menino, indo ver a avó, certo estranho presente por passar de ano na escola, lá na Alemanha me recordo da irritação quando as pessoas achavam engraçado o pequeno ser de “Brasilien”. Como se fosse macaquinho, divertidamente falante em alemão.

E por aqui me chamavam de “alemãozinho”, logo cantavam rústica balada depreciativa iniciava-se com alemão batata, come queijo com barata... Ficava pelo meio, ouvindo dos pais os daqui não serem muito confiáveis, sem cultura (o que seria isto?) e suspeitos pelo cabelo preto, bigode fino e terno Ducal; símbolo da malandragem.

Dos locais ouvia o eterno lamento sobre nosso atraso, nós sermos assim mesmo, gigante adormecido (e sem vontade de acordar...), porém a gringada era ruim de bola (!), tipos fáceis de enrolar (na primeira vez) e que nós éramos os bons, nós de cabelo preto, bigode fino e terno Ducal...

As diferenças tendem a minimizar-se e o fato da globalização, do qual eu, mais velho, apostava íamos nos safar, por aqui aportou.

No passado, lá vai nostalgia, ao chegar em aeroporto brasileiro, sabia-se imediatamente o que era o país. Certo descompromisso, fiscais da alfândega 100% corruptos, regras de segurança sempre pouco atendidas (meu pai adorava ver os pilotos fumando ao lado dos aviões, dizendo aquilo sim ser corajoso...), a higiene catastrófica dos sanitários e assim por diante. Na Alemanha o eterno gritar por documentos, lugares ocupados e muita ordem com compromisso. A grosseria com as crianças e jovens; e o eterno depreciar de tudo além de suas fronteiras.

Mudou.

Hoje em dia, a depender do ângulo se fotografa o ambiente, é praticamente impossível saber se estamos em Kuala Lumpur, Frankfurt ou Guarulhos...

Fica sem graça.

Confesso nosso “atraso”, a partir dos meus quinze anos me era reconfortante, algo como “que bom por aqui não termos isso”. Aquela frisson do dito primeiro mundo, a febre consumista, o tagarelar sobre produtos e serviços por horas não me esquentavam. Nem achava muito divertido o indefectível “negócio importado, uísque escocês, viagem pelo circuito Elisabeth Arden, tomar ´banhos´ de Europa, fazer curso na Sorbonne...”. Por aqui era-se, achava eu, autêntico; reclamávamos de barriga cheia, literalmente. E ria, sorrateiro, quando ambos, alemães de lá e brasileiros de cá, em boteco qualquer, se deliciavam com o que dava prazer. Cigarro Minister, cafezinho e a gostosona desfilando... E lá num Gasthaus a cerveja melhorzinha, o cigarro Ernte e a garçonete loira de seios abundantes.

Com todo respeito.

Acabou, agora somos globais...

Algumas diferenças porém há: acabo de ler que a dirigente maior da igreja evangélica luterana alemã, me parece a religião preponderante por lá, renunciou ao cargo. Com 51 anos, mãe de 4 filhas, foi parada em um blitz de tráfego e medida no bafo, que estava acima, bem acima do permitido. A simbologia da criatura para esta comunidade é similar ao papa para os católicos, guardadas as proporções.

Já em Brasilia, mesmo preso, o conterrâneo José Arruda informa não abre mão do mandato... ou seja, disfarça mas pelo visto ainda acredita na vitória do cabelo escuro, bigode fino e terno Ducal... A seguir seu grande exemplo J. Sarney.

* Complexo de cocar: algo como complexo de inferioridade por ser índio e com isto analfabeto, com comportamento social distinto e trajando o cocar, a envergonhar-se.

1 Margot Kässmann, a número 1 da hierarquia luterana (literalmente sucessora de Martinho Lutero) após incidente entrega o cargo.

2 Já Arruda, da prisão, informa que nem assim abre mão do cargo de governador do distrito federal, com meus perdões pela grafia em minúsculas, mas fica assim mesmo.

Comentários (clique para comentar)

- 25/02/2010 (09:02)

Bom texto, um pouco nostálgico...