Terra minguante
Por Luiz Angélico da Costa, de Salvador
Manhã de 20 de julho de 1969
Estou viajando de ônibus pelos arredores
da velha cidade, tentando captar imagens
da vida diária pelas janelas orvalhadas
do ônibus, pensando no dia anterior
quando a notícia sacudiu a Terra: HOMEM NA LUA!
Em algum ponto ao longo da escarpada faixa litorânea
o ônibus para de súbito em frente a uma fileira de casas de taipa
onde um homem raivoso em uma porta
pragueja contra a própria mulher e seu filho:
- Qu'é qu'esse infeliz tá fazendo na chuva?
O ônibus prossegue e eu fico a recordar
aqueles dois homens lá em cima a dançarem no vácuo
enquanto cá embaixo na sarjeta imagens costumeiras
de pedaços enlameados de um jornal de ontem
com as manchetes
- HOMEM NA LUA e MATADOR DA RUA DO MEIO -
atraem um gato faminto
e à distância
uma mulher velha grita para uma mocinha grávida:
- Você não ganha nada em dar a seu bebê o nome daquele gringo
que nem você nem ninguém aqui sabe escrever nem falar... e pior ainda...
antes d'ele nascer.
Mas a menina com o balãozinho debaixo das roupas íntimas retruca:
- O filho é meu e eu vou dar a ele o nome que eu quiser...
O ônibus então arranca aos solavancos e eu começo a esboçar um poema
que sai mais ou menos assim:
homens na lua homens na lua - o Homem
na Lua! terra Minguante Céus que assomam
levíssimos pés corações desertos
jamais um horizonte idêntico em direção ao qual
levarem seu silêncio perplexo ou a desesperada
esperança de seguir em frente para - onde, Homem?
- outra Lua?
E o que depois?
Contudo, então (e agora), penso que o verdadeiro poema
não se fez e, de quando em quando me indago
o que estará fazendo aquele infeliz na chuva
ou sem chuva (se é que ainda vive) ou sei lá..
e me pergunto:
O quê, por Deus, acontece na lua?
Luiz Angélico da Costa,
Professor Titular de Língua e Literatura de Língua Inglesa aposentado, é Professor Emérito da UFBA e tradutor.