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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Psicologia do precipício: J.D. Salinger (1919 - 2010)

Por Silvério Duque, de Feira de Santana

Numa famosa foto dos anos 50, James Dean, ícone maior da rebeldia daqueles anos tão peculiares, passeia sozinho por uma Times Square fria, chuvosa e, aparentemente, vazia.

Dean morreria sete meses depois, na tenra e ultra-romântica idade de 24 anos, num acidente de carro – eh, e assim caminha a humanidade! –, entretanto, a maravilhosa imagem captada pela lente aguçada de Dennis Stock, morto neste último dia 11 de janeiro (numa Flórida nada ensolarada), tornar-se-ia a definitiva tradução, tanto de Dean quanto de toda uma geração que lhe era contemporânea, e, também, o imitava: o jovem belo, rico e famoso sufocado pelo mundo que o adora e o convoca aos abismos sucessivos que a vida abre à nossa frente.

Outro exemplo de um jovem tragado pelo mundo que o cerca, encontra-se na emblemática e perturbadora figura de Holden Caufield, o desajustado adolescente que narra e protagoniza o romance O apanhador no Campo de Centeio, de Jerone David Salinger, falecido na quinta feira passada, dia 28 de janeiro, aos 91 anos de vida e mais de 50 de total e misteriosa auto-reclusão.

Desconfiado da veracidade e autenticidade da autoridade adulta (puta que as pariu!, quantas rimas com ...ade) e, ao mesmo tempo, deslocado de seu espaço existencial – e, também, real –, Caufield é obrigado a abandonar a escola de elite onde estudava, para aventurar-se numa New York incerta e perigosa, mas que lhe revelará as suas mais profundas angústias; típicas, aliás, de toda uma geração conhecida como “geração do Pós-Guerra”.

Do já citado James Dean, ao existencialismo de Jean Paul Sartre, passando pela literatura de nossa Clarice Lispector, os anos 50 parecem refletir a inquietude e revolta diante do mundo e do real, aparentemente sem objetivos, que se apresentam numa sensação e sentimento de náusea profunda, resultado da descrença nos valores, na sociedade e na própria crença, cuja origem, paradoxalmente, encontra-se na falta mesma destas coisas...

Tal niilismo, aparentemente, é resultado, ou, pelo menos, fundamentado, nos horrores bélicos e ideológicos das décadas antecessoras, quando nazismo, fascismo e comunismo espalhavam, juntos, sua sombra monstruosa pelo mundo a fora.

Diferentemente aos vampiros de boa índole que levam nossos atuais adolescentes ao delírio, e a um mundo de fantasia nostálgica e escapismo neoromântico quase sempre ridículos, o personagem criado por Salinger mergulha num mundo muitas vezes feio e cruel, mas realista, acima de tudo (não que a fantasia não tenha a sua importância, ou seja, meramente, descartável, pelo contrário; é a fantasia pura e simples que não nos levar a refletir nem assegurar uma visão mais cômoda das agruras da realidade que é o problema), pois quanto mais tentava fugir de seu mundo e de si mesmo, mais Holden Caufield mergulhava e, quase sempre, se afogava nele mesmo.

Desta forma J. D. Salinger imprimiu o seu nome não só na literatura universal, mas em toda a cultura de seu tempo (coisa para poucos) ecoando, hodiernamente, tanto na forma, como na linguagem, e realidade de uma juventude que, ao contrário dos arrogantes adolescentes de nossos dias, não parecia se orgulhar de seus defeitos – muito menos endeusar os seus erros –, todavia, não conseguia ver, nas qualidades dos outros, um modo de suprir a sua falta de qualidades.

Talvez o cigarro na boca e o olhar perdido não seja o melhor exemplo, nem a melhor inspiração para nada – talvez para uma canção do Belchior...?! –, nem para ninguém, como quer a nossa sociedade politicamente correta e humanamente hipócrita... mas tanto a foto de James Dean quanto a história do jovem que sonhava em caçar garotos fujões em um campo de centeio, são, incontestavelmente, símbolos de tomada de beleza e vazio, mas que está melhor representada que a atual, que só tem a epiderme alumiada e os cabelos quimicamente eriçados do Robert Pattison...

Que horror!!!

1 J. D. Salinger (1919-2010) autor de O apanhador no campo de centeio.

2 James Dean na famoso foto de Dennis Stock.

3 O "ator" Robert Pattison... num momento vampiresco.

Comentários (clique para comentar)

- 09/02/2010 (14:02)

Escreve sobre ele, o Salinger, mande a hermo@hermo.com.br, será publicado . Faça uma homenagem ao grande escriba, fale da reclusão, do medo da loucura.

Henrique Wagner - 09/02/2010 (13:02)

Há um equívoco, me parece, na interpretação de ambos - e o duplo continua... Diz o Thomas que o fato é único... Bem, vejo o produto dos fatos como único. Para mim há dois fatos... O exemplo se concretiza sendo um... Bom, mas seguramente isso não é o mais importante num texto. Isso é elementar, é dever de casa, que não foi feito. Problema maior mesmo é o texto ser anódino, nota de página, depois de tanto texto sobre Salinger, quando de sua morte... É incrível que ninguém comente o Salinger contista, autor de Nove histórias, entre outros clássicos da história curta... Portanto, o que realmente me incomodou, eu, que sou leitor assíduo de Salinger - e para ser leitor assíduo de um autor nada profícuo, só relendo -, foi a completa falta de originalidade do texto, um texto marcadamente incipiente e, por conseguinte, descartável. P.S.: eu não concordei com nada.

- 09/02/2010 (09:02)

Pelo menos concordou, a contragosto, soltando umas pernacchias de azedume gramatical, he, he... Até o outro baiano, o Rui Barbosa tinha horror a classificar o ato único no plural... "Penso que é o momento de ir à mesa e após, se permitido, à circungeração prandial." -"Ir, mestre? Não seria ´irmos´?". - "Não, energúmeno! Apenas o ato único de ´ir´, não enfie plurais onde não se aplica. Aplica, ouviu? Nada de ´aplicam´"

Henrique Wagner - 08/02/2010 (18:02)

Há muita coerência na mensagem do Thomas. Acontece que o síndeto "e" revela adição... 1 mais 1 dá dois... Se se trata de algo quase subjetivo, de tão sutil, convém, sobretudo em se tratando de linguagem acessível, marca registrada dos textos para a rede, usar o mais evidente: "sejam". Estou certo de que o autor do artigo, famoso por seus erros de português, não pensou na ambiguidade do duplo... Mas ainda que pensasse, a Gramática Normativa não aceita a concordância usada por ele. E o leitor comum menos ainda... E não me venha dizer, como desculpa, que escreve para o leitor especializado, quase linguísta...

Thomas - 08/02/2010 (14:02)

Confesso me perdi, na edição não vi o erro e não o vejo agora. O que há de errado com SEJA? Preferiria SEJE? Ou talvez, SEJAM?
Aí sim, talvez não fosse tão palatável, pois aqui o verbo, e isto é discutido há décadas, se vincula ao fato único e não aos fatos. "Talvez o cigarro na boca e o olhar perdido não serem o melhor exemplo..." ou "...não ser o melhor exemplo". O fato é "o cigarro e o olhar = o exemplo". A inculta e bela é complexa, mas me parece o autor baiano escreve certinho, apesar do sol.... pelo que o invejo.
Quanto às críticas gerais, é bom que todos tenham um espaço para criar e escrever. Horrível quando apenas a poucos era dado expressar sua opinião pelos despóticos jornais e seus lamentáveis colunistas, hoje sem expressão por aqui, graças aos céus.

Henrique Wagner - 08/02/2010 (12:02)

O texto não diz a que veio. Fala obviedades, truísmos da vida moderna, coisas como "o vazio" do pós guerra etc... Só faltou citar Bauman... E não há um desenredo... Não há uma conclusão ou uma visão nova do assunto. Em tempos de Google, Wikipédia e blogs – todo mundo hoje tem um espaço para escrever, sobretudo os impublicáveis –, é preciso buscar, realmente, dentro de si mesmo, a saída, um olhar pessoal sobre os assuntos, os temas etc. O mundo já está cheio de releases... Salinger era um gênio, e merece algo melhor. Para agravar, o autor comete um erro elementar, ginasiano, de português, no último parágrafo: "Talvez o cigarro na boca e o olhar perdido não SEJA o melhor exemplo (...)". Bom, faz muito calor na Bahia, é certo. Teria portanto, o autor do artigo, escrito no calor da hora, mais uma vez?