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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Aïgo Bouïdo

Não é erro de escrita, é a denominação de uma sopa de alho comum na região mediterrânea da França. Dizem ser uma delícia, não provei, mas vou arriscar um dia destes. Por que falar de sopa, se quero falar de um filme?

Julie & Julia, (EUA, 2009) .

Fraco, demasiadamente longo, pouco cativante excetuada a excelente atuação de Merryl Streep como a afetada escritora-cozinheira Julia Child e seu magistral livro sobre culinária francesa para americanos.

E visto o filme, preso nos habituais congestionamentos da av. Brasil em sexta-feira com chuva, lembrei que havia o livro da autora retratada em casa, Mastering de Art of French Cooking, presente de um amigo, há muito se foi.

Richard.

Inglês apaixonado pela culinária e pelas mulheres, nesta ordem. Conheci-o através de uma amiga, por quem se encantou e adiante casaram. A lua de mel foi em nossa casa, coisa de baixo orçamento e nestes poucos dias mostrou-me a alegria da culinária, que pratico até hoje. Adorava a arte da cocção mediterrânea e francesa, experimentava de tudo. Continuou assim, surgia aos domingos, com sua sacola de feira, as facas e as panelas, os ingredientes e criava maravilhas gastronômicas.

Nadava nas águas erradas, trabalhava com seguros, sem o menor entusiasmo. O prazer maior era a culinária. A seguradora ligada a um banco antigo quebrou por cá e, sem alternativas, apelou para o pai que o “reposicionou” na área de seguros, tradição familiar, em Londres, depois França.

Eu havia sugerido abrirmos juntos um bistrozinho em Salvador, ele adorou a idéia, mas a esposa tinha outros planos, hoje diria bem razoáveis.

Após uns tempos de França e alguma crise depressiva com tentativa um tanto radical de encerrar com seus problemas, seguiu a esposa para, acho, Grenoble, onde libertou-se das condutas ditas acertadas e partiu a ser dono de um boteco, chegando a certo destaque pelo que entendi, após uma reportagem sobre o fato curioso: um inglês cozinhando para franceses... na França!

Um tantinho bizarro.

Por alguma razão a esposa abandonou o emprego na França e foi para os EUA; já separados ele fechou o bistrô (alguém maldosamente dizia que ele era seu melhor cliente...) e adiante, durante um curso de alta culinária na França teve um derrame; muito jovem foi-se.

Deixou duas filhas de dois casamentos, uma conheço, criatura adorável, até sonho das noites de verão de um sobrinho meu.

Durante algum tempo me correspondi com seus pais, arrasados com a perda de um segundo filho. Ficavam gratos pelas palavras e os elogios que fazia, relembrando os maravilhosos pratos que Richard elaborava. Mas o tempo é implacável, o contato perdeu-se.

Chegando em casa achei o livro na minha estante “culinária”, um desses livros de bolso de 728 páginas, resumindo a arte maior da França para americanos e ingleses interessados. Folheei, reli receitas curiosas e por fim repassei a introdução bem humorada da Julia Child.

Ao fechar me deparei com uma dedicatória que o amigo fez. Por estas razões que nem sempre se explica, antes de retornar à Europa deixou-me panelas e seus livros de culinária. “Para D., T. e a pequenina, uma Feliz Páscoa, que tenham muitas outras mais. Amor, R.”

Queria cozinhar, muito. Trabalhava com seguros. Acho que sentia contradizer os desejos dos pais (nada mais seguro que trabalhar com seguros...), a segunda esposa e talvez a si mesmo.

Somos assim.

Em tempo: a receita da sopa do título é uma das curiosidades no livro da Julia Child.

1 O filme é fraquinho, com aquelas bobagens de vencer-ou-vencer americanas. E a parte gostosa, a culinária, fica um pouco esquecida.

2 O livro que Richard nos deu, 1984. A tentativa de condensar a culinária francesa para algum primeiro entendimento deu certo. As co-autoras francesas acho que foram determinantes nisto. Será que já foi traduzido?

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