A Corcunda
de Ernst Simons
No verão visitei Ilona Szabo.
A diminuta húngara de cabelos negros vive como mestra educadora em um pequena vila próxima de Kecskemet - em meio aos prados. As crianças do vilarejo muito e amorosamente se dão com ela - vi com meus próprios olhos. Não é milagre. Ilona Szabo poderia ser exemplo para todos as mestras e mestres educadores do mundo. Ela não é apenas educadora e mentora intelectual para as crianças a ela confiadas, mas também amorosa e compreensiva amiga. - Uma pequena garota do local me confidenciou, ao perguntar se a senhorita Zsabo era boa pessoa, não existir melhor "tanitónö"*.
Sempre foi desejo da senhorita Szabo ser mestra educadora do vilarejo. Isto me contou há anos, quando a conheci longe de sua pátria, em Paris.
Foi em um dia de maio. Como muitas vezes por volta da hora do jantar, após as tarefas do dia cumpridas, fui ao "Jardin de Luxembourg", este que em meio à agitada e cosmopolita cidade às margens do Sena permite aos cansados física e mentalmente um pouco de tranquilidade e repouso. Absorto em pensamentos, caminhava pelas aléias do parque. Apesar do belíssimo dia, do verdejante e florido ambiente à volta, trazia eu dor no coração. Em poucos dias estaria deixando Paris, essa despedida já a me deixar com a alma pesada. A cidade me era muito querida.-
Após meu habitual passeio pelo jardim aproximei-me de meu banco favorito próximo da "Chambre des Députés". Uma jovem dama havia se entado por lá. Cumprimentado cordialmente sentei a seu lado. - Assim conheci Ilona Szabo.
Em instantes estávamos aprofundados em animada conversação. Contava de maneira interessante sobre muitos assuntos, de sua pátria e grandeza, das Fata Morganas dos prados de Kecskemet, de ciganos húngaros e sua música, de "Petösi"** e seus cantos líricos. Quase ofegante bebia suas palavras; estava encantado.- Rapidamente nos tornamos bons amigos; e em silêncio já me alegrava com a frequencia de rever Ilona Szabo, nos poucos dias que ainda me restariam na capital francesa.
Os últimos raios do sol poente esvoaçavam por sobre os topos das árvores e lentamente cediam ao anoitecer. No céu surgia a estrela da noite. - Convidei Ilona para um passeio pelo próximo "Boulevard Saint Michel". Agradeceu declinando.
As sombras da noite deitavam sobre o parque. - Silêncio profundo nos envolvia. De tempos em tempos percebia-se um distante buzinar sobre automóvies a deslizarem pela alameda. -
-" Devemos ir, mademoiselle Szabo!"
-" Fiquemos um tanto mais", replicou com leve tremor.
Éra-me incompreensível, porque Ilona Szabo desejava permanecer.
Alguns instantes após percebemos passos. O supervisor do parque aproximou-se e com um "On fermé, Messieurs-dames", indicou que agora o "Jardin de Luxembourg" seria fechado.
Um olhar ao rosto da minha vizinha... um rubor instantâneo cobriu suas antes tão pálidas faces. Levantou-se e ... o que vi deixou-me profundamente chocado.
Iona Szabo era muito corcunda.
Grande pena acometeu-me pela criatura. "Não a deixe perceber nada", foi meu único pensamento.
Controlei-me, ofereci o braço e silenciosamente deixamos o parque.-
No Pantheon nos despedimos. Nos demos as mãos, após ajustar para uma próxima ocasião um encontro, alguns dias adiante.
E Ilona veio. - Feliz e sorridente aceitou de minhas mãos as flores destinadas a ela. -"Se alguma vez vier à terra dos húngaros" assim disse ao despedir-se novamente, "venha me visitar".
Dois dias após deixei Paris.
O destino quis que no verão seguinte reencontraria Ilona Szabo em sua pátria. Estávamos sentados à noitinha no vilarejo em frente ao prédio escolar, observando os coloridos prados trocando pensamentos e recordações.
-"Ainda se lembra do fim-de-tarde no Jardin de Luxembourg?" perguntou Ilona. "Foi tão gentil comigo."
Silenciamos ambos, porém nos entendíamos.
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* professora
** místico húngaro
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Tradutor: Hermógenes de Castro & Mello.
Ernst Simons, 1903-1981, jornalista, nascido em Rheydt, faleceu em Colônia. Atuou como escritor contista, free-lancer e redator senior para o jornal Rheinischer Merkur. Este conto é do período 1930-31 quando viveu em Paris, após abandonar a escola de medicina e dedicar-se ao jornalismo autônomo.