Foto do Hermógenes

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Respeito desrespeitando

Por Lilian Gonçalves, de Juiz de Fora, Minas Gerais

Há alguns poucos dias, um amigo da área da saúde me abordou solicitando assinatura em ato contra exposição de fotos de certa modelo em fantasia de enfermeira. Li o texto que dizia as imagens traziam a mulher em trajes sexy, e isto "denigre a imagem da profissão", resumidamente falando.

Enquanto lia aquelas linhas, perguntei como anda a enfermagem, as lutas e os desempenhos. Perguntei quantos enfermeiros já haviam assumido o cargo de secretários da saúde no país, ou provedoria de hospitais; como não obtive resposta precisa, parti para outro tema.

Tentei saber como andam as questões de cobertura assistencial, filas de espera, distribuição de medicamentos à população que carece, implantação de pronto-socorros familiares, sistema de referência e contra-referencia, integralidade entre os serviços e sociedade, além dos demais setores, incluindo os sociais. Tive como resposta infelizmente o "ato médico" fora aprovado; e os enfermeiros estão perdendo espaço. Então reforcei as perguntas que havia feito, pois não me referi a "ato médico".

A resposta? Um balançar de ombros de desconhecimento.

Não pude me segurar, ou melhor, minha língua. Cruzei as pernas, segurei meu queixo com uma das mãos enquanto um braço se apoiava no outro, refleti por um segundo e disse: como pode uma foto denegrir a imagem de profissionais que nada sabem com relação ao seu campo de atuação, sentem-se desanimados por não conseguir um espaço que é da medicina e se ofendem com fotos de uma mulher bonita que lembra a profissão, que referencia a profissão, à moda dela?

Talvez seja essa imagem que os profissionais estejam passando, mais preocupados em ler colunas sociais em jornais do que fazer estatísticas de morbidade e pesquisas para resolver os verdadeiros dilemas da saúde. Não será uma roupa sexy que resolverá ou irá piorar isto. Respeito a gente adquire no dia a dia, não se pode negar um passado cultural complexo, cabe a cada profissional mostrar que mudou, e não é solicitando retirada de fotos sensuais de sites, mas mostrando comprometimento não só com o setor em que atua, mas social. Mostrando resultados favoráveis no processo saúde-doença, para isso é preciso agir de forma ética, com um pensar político-social, para não dizer filosófico, pois pode assustar os desatentos.

Se fosse assim, todas as mulheres deveriam passar abaixo-assinado pedindo retirada de fotos sensuais da internet, revistas etc., pois poderiam ser confundidas no seu dia a dia com aquelas “representantes da sensualidade”.

Análises à parte, para finalizar a conversa perguntei: onde assino a favor das fotos, sim pois vivemos numa democracia e podemos optar, gostei das fotos, ficaram bonitas, foi feito uma trabalho de profissional, devo inclusive parabenizar a modelo, fotógrafo e escola de samba que trará o enredo sobre a historia da saúde.

1 Complexa atitude que envolve as avaliações e o respeito. Lilian Gonçalvez tece formidável texto sobre isto, vejam ao lado.

Comentários (clique para comentar)

Parê Tiengo - 31/01/2010 (18:01)

Cara Lilian, concordo plenamente com você. Muitas vezes uma profissão tem sua imagem denegrida pelos próprios profissionais da área que, por atitudes displicentes, pouco comprometimento com sua missão e alienamento quanto às dificuldades da categoria, comprometem o conceito que se tem de toda uma classe profissional, na verdade, servindo apenas de modelo do que não se quer como colega de profissão.

Adriana Vendramini - 29/01/2010 (21:01)

Preferimos bancar os moralistas a lutar por aqueilo que realmente importa. Preferimos o caminho mais fácil, aquele que resulte em notícia na mída pobre e rasteira. Vivemos na era dos resumos, da pirataria, da falta de respeito em todos os níveis, dos big brothers, enfim: esquecemos de tudo o que nos torna diferentes dos irracionais. Mais valem 15 minutos de barulho que uma vida de dedicação à verdade, ao profissionalismo e ao bem do coletivo

- 28/01/2010 (10:01)

Anos atrás comentei sobre o desleixo com a manutenção de equipes de terra da falecida VASP no aeroporto de Fortaleza. Publicou-se o artigo numa revista de associação de pilotos, a maior do Brasil à época. O presidente do sindicato nacional dos aeronautas detonou algo como: " mesmo sendo verdade, jamais deveria ser publicado, para não denegrir a imagem dos companheiros aeronautas...". Somos assim, falsa moral e falsa cidadania a proteger corporações e categorias. Mundo afora.