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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Das Sklavenschiff ou o Navio Negreiro?

Talvez das torturas para os jovens do tempos onde era jovem, o decorar de poesias seria parte do esquema imposto pela doutrinas pedagógicas da época. Ao invés de ler em classe, certa professora do colegial fazia-nos memorizar as estrofes. A preocupação não era o apanhado do poema, seu lirismo, mas a horripilante seqüência de jovenzinhos a recitar, tremendo, em pânico de perderem o fio ou algo esquecerem.

Burramente militar, pelo visto tal não mais ocorre.

Por isto, imagino, nossa geração de pós 1954 não é exatamente encantada com o tema.

De 10 perguntados se lêem poesia, 9 dirão nada-a-ver-me-lembra-a-decoreba-inútil-que-saco-era-aquilo.

Arrepios ao ouvir-se os nomes de Olavo Bilac e companhia. Finado o abobalhado decorar compulsório, a poesia passa a algo distinto, fino e agradável para as gerações posteriores.

Fiz meus esforços, voltei a ler encantado e iniciando com os poemas, quase prosa direta, sarcásticos e realistas de Heinrich Heine, algum tempo atrás. E me deparei com o fabuloso Das Sklavenschiff, que nosso Castro Alves, em sua tradução francesa pelo que se comenta, usaria como inspirador para o seu Navio Negreiro. Mesmos títulos, mesma temática, mesma forma de protesto, porém Castro não navegava pelo sarcasmo dos personagens de Heine. Parece-me iniciou com outro título, entretanto alinhou e copiou o de Heine.

Se me permitem apresentar o deste último, verão que é surpreendente como um poema com tema um tanto ultrapassado ainda pode cativar:

O Navio Negreiro,

de Heinrich Heine

O sobrecargo Mynheer van Koek
Calcula no seu camarote
As rendas prováveis da carga,
Lucro e perda em cada lote.

"Borracha, pimenta, marfim
E ouro em pó... Resumindo, eu digo:
Mercadoria não me falta,
Mas negro é o melhor artigo.

Seiscentas peças barganhei
-- Que pechincha! -- no Senegal;
A carne é rija, os músculos de aço,
Boa liga do melhor metal.

Em troca dei só aguardente,
Contas, latão -- um peso morto!
Eu ganho oitocentos por cento
Se a metade chegar ao porto.

Se chegarem trezentos negros
Ao porto do Rio Janeiro,
Pagará cem ducados por peça
A casa Gonzales Perreiro."

De súbito, Mynheer van Koek
Voltou-se, ao ouvir um rumor;
É o cirurgião de bordo que entra,
É van der Smissen, o doutor.

Que focinheira verrugenta!
Que magreza desengonçada!
"E então, seo doutor, diz van Koek,
Como vai a minha negrada?'

Depois dos rapapés, o médico,
Sem mais prolilóquios, relatando"
"A contar desta noite, observa,
Os óbitos vêm aumentando.

Em média eram só dois por dia,
Mas hoje faleceram sete:
Quatro machos, três fêmeas, perda
Que arrolei no meu balancete.

Examinei logo os cadáveres,
Pois o negro desatinado
Se finge de morto, esperando,
Lançado ao mar, fugir a nado!

Seguindo à risca as instruções,
Ao primeiro clarear da aurora,
Mandei retirar os grilhões
E -- carga ao mar! -- sem mais demora.

Os tubarões, meus pensionistas,
Acudiram todos, em bando.
Carne de negro é manjar fino
Que aparece de vez em quando.

Mal nos afastamos da costa,
Rastreiam o barco, na esteira,
Farejando de muito longe
Os eflúvios da pestiqueira.

Edificante é o espetáculo,
Pois o tubarão narigudo
Não escolhe cabeça ou perna
E abocanha, devora tudo!

Como se opíparo banquete
Fosse um simples aperitivo,
Põe-se a rondar, pedindo mais,
Sempre à espreita e de olho vivo!"

Mas o inquieto van Koek lhe corta
O relato em meio... Como há de
Remediar-se a perda, pergunta,
Combatendo a letalidade?

Responde o doutor: "Natural
É a causa; os negros encerrados,
A catinga, a inhaca, o bodum
Deixam os ares empestados.

Muitos, além disso, definham
De banzo ou de melancolia;
São males que talvez se curem
Com dança, música e folia."

"O conselho é de mestre!", exclama
Van Koek. O preclaro doutor
É perspicaz como Aristóteles,
Que de Alexandre era mentor!

Eu, presidente dos Amigos
Da Tulipa em Delft, declaro
Que, embora sabido, ao seu lado,
Não passo de aprendiz, meu caro.

Música! Música! A negrada
Suba logo para o convés!
Por gosto ou ao som da chibata
Batucará no bate-pés!"

O céu estrelado é mais nítido
Lá na translucidez da altura.
Há um espreitar de olhos curiosos
Em cada estrela que fulgura.

Eles vieram ver de mais perto
No mar alto, de quando em quando,
O fosforear das ardentias,
Quebra a onda, em marulho brando.

Atrita a rabeca o piloto,
Sopra na flauta o cozinheiro,
Zabumba o grumete no bombo
E o cirugião é o corneteiro.

A negrada, machos e fêmeas,
Aos pulos, aos gritos, aos trancos,
Gira e regira: a cada passo,
Os grilhões ritmam os arrancos

E saltam, volteiam com fúria incontida,
Mais de uma linda cativa
Lúbrica, enlaça o par desnudo --
Há gemidos, na roda vida.

O beleguim é o maitres des plaisirs,
É ele quem manda e desmanda;
Instiga o remisso a vergalho
E rege a grito a sarabanda.

E taratatá e denrendendém!
O saracoteio insano
Desperta os monstros que dormem nas ondas
Ao profundo embalo do oceano.

Tubarões, ainda tontos de sono,
Vêm vindo, de todos os lados;
Querem ver, querem ver para crer,
Estão de olhos arregalados.

Mas percebem que o desjejum
Longe está e logo, impacientes,
Num bocejo de tédio e fome
Arreganham a serra dos dentes.

E taratatá e denrendendém!
Não tem fim a coréia estranha.
Mais de um tubarão esfaimado
Sua própria cauda abocanha.

Eles não querem saber de música
Como outros do mesmo jaez.
"Desconfia de quem não gosta
De música", disse o poeta inglês.

E denrendenrém e taratá --
A estranha festança não tem fim.
No mastro do traquete, van Koek,
De mãos postas, rezava assim:

"Meu Deus, conserva os meus negros,
Poupa-lhes a vida, sem mais!
Pecaram, Senhor, mas considera
Que afinal não passam de animais.

Poupa-lhes a vida, pensa no teu Filho,
Que ele por todos nós sacrificou-se!
Pois, se não me sobrarem trezentas peças,
Meu rico negocinho acabou-se!"


Tradução: Augusto Meyer

Heinrich Heine nasceu numa família judia assimilada, em Düsseldorf, sob o nome de Harry. Seu pai era um comerciante que, durante a ocupação francesa, beneficiou-se diretamente dos novos ideais de igualdade cívica para todos os cidadãos, em particular importante para os judeus, uma minoria discriminada nos territórios da atual Alemanha. Quando o negócio do pai faliu, Heine foi enviado para Hamburgo, onde o tio Salomon, um rico banqueiro, financiou os estudos e encorajou-o a iniciar uma carreira comercial.

Em breve tornou-se evidente que Heine não tinha um interesse na carreira comercial e assim, voltou-se para o estudo de Direito nas Universidades de Bona,Göttingen e Berlin. Descobriu também que estava menos interessado no Direito do que na Literatura, apesar de se ter licenciado em Direito em 1825, ao mesmo tempo que decidiu converter-se do judaísmo para o cristianismo luterano, assumindo então o nome de Christian Johann Heinrich e nomeando-se a si próprio pelo nome de Heinrich Heine.

Em 1848 Heine adoeceu devido à sífilis e passou a sofrer de paralisia, passando os oito últimos anos de sua vida em um colchão, que chamou de “colchão-cripta”, em alemão: Matratzengruft. Quase cego, Heine morreu em Paris, em 1856.

1 Os tratos eram os piores possíveis, metade da "carga" se perdia na travessia. Foi a maior migração de povos, apesar de forçada, da história da humanidade. 20 milhões em 350 anos.

2 Caçados por tribos africanas inimigas, às vezes já escravizados entre si, vendidos aos negreiros, por cachaça, ferramentas ou quinquilharias inúteis.

3 Raras rebeliões, a repreensão era severa, os castigos terríveis.

4 Quelóides formadas após açoites.

5 Um negreiro inglês. Ironicamente passaram a policiar os mares, mais adiante, para coibir o soturno comércio.

6 O poeta Heinrich Heine. Mentor e amigo de Karl Marx, jamais se filiou a partidos políticos.

Comentários (clique para comentar)

andre belem - 12/04/2012 (23:04)

Plágio teu c. o poema tem o mesmo tema... os enfoques são bem diferentes. vá aprender a ler, antes de falar bobagens...

- 08/02/2010 (15:02)

Pôxa, terra de plágio, até poemas grandiosos tem o mesmo título do anterior e importado...