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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Leituras

Numa semaninha de fuga à Bahia, lá pelos confins de Busca-Vida (já foi confim, hoje o entorno é semi-urbano, uma lástima) me entreguei a dois livros, que recomendo. O primeiro do meu amigo, quase parente, mentor e guru, talvez imã ou xamã, Ildásio Tavares. Com a distinta honra de nunca nos termos encontrado ao vivo e a cores, talvez daí a amizade reforçada.

Nossos colonizadores africanos, a 2ª edição de 2009, (EDUFBA) é um apanhado interessante de como Ildásio observa a nossa africanidade, dando certo peso às questões de cunho religioso, às perseguições por estas causas e sua revolta pessoal contra as incompreensões, às vezes até pelos descendentes de africanos. Sugiro os textos Mimetismo ou Sincretismo, de qual cito um trechinho:

Dadas essas condições de um ambiente físico e religioso adversos, ou pelo menos diferente, cabe questionar: será que não houve muito mais processo de mimetismo de ´mudança consoante o meio; adaptação`, do que uma ´fusão de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só?` É claro que sim. Edison Carneiro já dizia que a catequese foi uma ilusão. Os negros continuaram tranqüilamente a cultuar seus orixás, onde, então a fusão com permanência de elementos originais.

E a A Nova Música Baiana, maravilhoso. Nele se permite uma das máximas que são sua arte:

Na Bahia quem não sabe nadar é professor de natação; cego ensina artes visuais; surdo dá aula de música. A maioria dos que sabem, não escreve. A maioria dos que escrevem, não sabe...”.

Excluindo o gioco, merece uma ponta de reflexão sobre o cotidiano brazuca e sua conexão africana.

Mais adiante li, comprado em prática estande de supermercado, os 12 contos de Tchékhov (antigamente Checóve), com título A Dama do Cachorrinho, LPM, 2009, tradução formidável de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares. Havia lido há muitos anos atrás, estava entre os poucos livros que minha avó na Alemanha mantinha e, meninote, quase em desespero, li por não ter mais o que fazer. Era em alemão rebuscado, uma tradução complexa. Esta ficou leve, corrente. Me fez entender porque a velhinha mantinha o livro: algumas passagens me lembraram seu destino, misterioso em alguns pontos.

Os doze contos são cativantes; capta o autor, como lhe era corrente, a essência humana. Inicia com a divertida e bizarra passagem da “Morte do funcionário”, imbatível. E os demais são igualmente fascinantes, a observar-se o fino desenrolar de pequenos dramas, até tragédias, sob a ótica do observador neutro, quase jornalístico, apesar da literatura neles contida, com suas liberdades. Tchékov evidentemente coloca uma imensa carga de suas experiências pessoais nos textos, principalmente nos tratos da questão romântica entre os pares, separações e vidas solitárias, com as dificuldades de relacionamento. Que a todos interessam, os pequenos e grandes dramas de nós humanos; queremos saber, queremos ler.

Somos assim.

Um bom livro, os apanhados de Ildásio nos levam a interessantes reflexões sobre nossas origens, de colonizadores e colonizados.

Tchékhov é imbatível, talvez somente comparável a Somerset Maugham no brilhantismo. Sempre atual.

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