Da África o melhor
Nossa alimentação cotidiana é portuguesa e italiana, com toques indígenas. O entrecosto com fritas, tão comum no “reino”, até hoje é por aqui muito apreciado, na sua forma mais brasileira, o filé com fritas. A que adicionamos farofa, indígena.
No mais autêntico interior brasileiro, Zona da Mata baiana, lambendo o sertão, em domingo festivo apresentaram-me o prato predileto: frango com macarrão, ou vice-versa, como pedem alguns. Italiano, adotado por aqui com clareza. Convenhamos, delicioso.
Ou seja: a "babelização" da nossa comida é questão das mais importantes e digna de estudos, como o fez mestre Câmara Cascudo, em profundidade. A alegria de viver neste país passa pelas tripas, dizia Euclides Neto, escritor baiano e grande apreciador dos pratos brasileiros. Declamava odes às suas virtudes, porém a acompanhá-lo em certas empreitadas culinárias, joguei a toalha. Seu gosto pelo "da terra" diferia daquilo eu agüentaria. Cito um execrável ensopado de tatu, intragável umbu com leite de cabra morno e farinha de mandioca, fétido meninico de carneiro e azêdo doce de tamarindo.
Ao meu feliz concunhado ofereceu cascavel em moqueca. Este, baianíssimo e portanto diplomata nato, agradeceu, comeu e achou parecido com peixe... À minha mãe alemã, durona, empurrou churrasco de onça, que essa deglutiu sem comentários, excetuado certo curto “é-caça?”
Lorotas? Perguntem às vítimas.
Porém nossa fina culinária ao contrário da "da terra", fina mesmo, não é européia; é africana. E endosso: fina mesmo, sem nacionalista correção política ou afrescalhamento crítico. Inegável os pratos baianos, soteropolitanos, serem a mescla de um pouco de Portugal com o insuperável da África, predominando a arte do então escravo, superlativa.
Por essas confusas vias do destino casei com baiana e, de troco, recebi o melhor se pode verificar na cozinha de lá. A sogra é a, dir-se-ia, virtuose no comando gastronômico *. Seu séqüito de aprendizes, hoje espalhado pelas casas de suas filhas, filhos e agregados, aprendeu o ofício com maestria. Mas o non-plus-ultra, a crème-de-la-crème, por sorte, está conosco nessa Paulicéia Desvairada.
Autodidata, a piauiense Heleide. Os melhores pratos baianos, em São Paulo, são feitos pela nossa amiga das redondezas de Teresina.
Moqueca de caçonete, camarão ou badejo, não há igual. Farofa de dendê, l´incroyable! feijão fradinho, arroz o mais branco dos brancos. Vatapá (matapá em Angola, acabo de ler), caruru (calulu por lá), bobós, pequenas infusões de pimenta-de-cheiro e toda a paleta de cores da arte luso-africana de servir pratos.
Com sobremesas formidáveis, desde quindões, a espumas de coco com calda de chocolate, cocadas (a ser justo, feitas por nossa querida Edileusa, esta baiana autêntica) alvas, originais e tradicionais, esfriadas na pedra polida.
Nos eventos por cá, quando alguém quer coisa perfeita, detona: comida baiana! Ao lado a última farra, mostrando a turma em plena ação.
Divirtam-se.
* Perde somente para meu amigo Moreira, lá de Salvador, que em seus passeios dominicais à Rampa do Mercado, ao lado do Mercado Modelo, comprava uns tais siris moles, com os quais fazia moquecas. Trata-se de um siri que pode ser comido inteiro, com carapaça e tudo, mole e macia. Não existe moqueca igual. Porém há histórias de extinção da espécie, me parece. Raro achar. Nunca mais comi. Em tempo: o único restaurante de boa comida baiana por esta cidade é o "Soteropolitano", na Rua Fidalga, Vila Madalena. Um primor, comandado pelo incansável Júlio.