LTI
Pois não encontrei a expressão "Eu acredito nele!" até nos últimos dias do Reich de Hitler? Ocupo-me no momento de reabilitados, bem como daqueles que desejam ser reabilitados. Essas pessoas, por mais diferentes que sejam entre si, possuem um traço em comum: todas pretendem ser "vítimas do fascismo".
Todas afirmam que algum tipo de violência as coagiu a entrar no partido, ao qual odiavam desde o início; agiram contra suas convicções; nunca acreditaram no Führer, tampouco no Terceiro Reich. Outro dia encontrei na rua meu antigo aluno L., aquele que eu vira na última vez em que pude ir à biblioteca pública. Naquela ocasião ele apertou minha mão em sinal de simpatia. Senti constrangimento, pois ele já usava a suástica. Dessa vez ele se aproximou com uma expressão contente:
- Alegra-me saber que o senhor se salvou e reassumiu seu
trabalho!
- E você, como vai?
- Mal, é claro. Trabalho como pedreiro na construção civil, e o que ganho não dá para sustentar mulher e filho. A longo prazo, não terei físico para isso.
- Você não está sendo reabilitado? Eu o conheço, sei que nenhum crime pesa na sua consciência. Você ocupou um cargo importante no partido, esteve muito envolvido politicamente?
- Que nada. Eu não passava de um insignificante Pg.
- Então por que você não está sendo reabilitado?
- Porque não solicitei nem posso fazê-Io.
- Não entendo.
Pausa. Depois, com dificuldade, os olhos baixos:
- Não posso negar, eu acreditava nele.
- Mas é impossível que continue a acreditar. Você vê no que deu; e, agora, todos os crimes hediondos estão expostos à luz do dia.
Pausa ainda mais longa. Então, bem baixinho:
- Concordo com tudo o que o senhor diz. Foram os outros, que não o compreenderam, que o traíram. Mas nele, NELE, eu ainda acredito.
Victor Klemperer, 1946/47
Talvez o mais chocante na lti, (lingua tertii imperii) ou a linguagem do terceiro reich (não acredito mereça quaisquer maiúsculas), como Victor Klemperer o descreve em seu bom livro sobre o assunto, magistralmente traduzido por Miriam Bettina Paulina Oelsner (LTI, Contraponto Editora, 2009), seja a obediência aos ditos, imaginados e dogmas. Conheço o assunto de perto, pois meus pais, talvez o que se chamaria de perdedores sobreviventes, a mantinham, até em esdrúxulas adaptações.
Como "você não ser nada, camarada, o estado ser tudo", parte da lti e a qual meu pai, ao justificar seu imenso apreço e dedicação ao florescente empreendimento que havia criado, dizia: "você não ser nada, a firma ser tudo...".
Associada à mentira e na lti faz, imagino, parte essencial senão primordial da sua forma estrutural. A mentira repetida, a omissão da verdade, continuadamente e a fantasia sobre situações que não ocorreram.
Lembro ter lido sobre pilotos ingleses e americanos, linchados pela população alemã, a acreditar-se pela propaganda, piamente, a guerra aérea haver sido iniciada por estes. A invasão à Polônia seria também "guerra de defesa" contra um ato de agressão do fraco exército daquela nação...
Essas mentiras que acompanham a vida alemã, sou testemunha, também nos anos subsequentes, quando nasci até hoje. E frases como "darüber spricht man nicht" (sobre isto não se fala) ou "das ist ja gar nicht war" (isto nem é verdade) quando o apresentado é claro; ou incomoda. Quantas mentiras afirmadas ("este é um colégio que forma líderes, bradava o diretor nazistóide da escola alemã em São Paulo, em 1970, anos e léguas distante do assunto."), quantas verdades distorcidas, tantas novidades surgidas após insistentes verificações algo estar errado.
De qualquer sorte Victor Klemperer soube com maestria e literatura apanhar neste maravilhoso escrito a fixação ainda incompreendida de toda uma nação ou nações por um messiânico imbecil, primitivo e cruel. Basta ler o trecho acima.
E, enfim, quando vejo o discurso atual e local, propagado por outros de um também partido de trabalhadores, penso:
"Somos assim?"