Pau na moleira
Por Ildásio Tavares, de Salvador
Eu estava à cata de um assunto para minha crônica quando o título de outra com meu nome me chamou a atenção. Tratava-se de um carinho, um mimo deste meu amigo afetuoso e como eu nostálgico – que assim se confessa num tempo sem raízes, num tempo sem passado; em pleno reinado de um desvairado carpe diem – hoje, mais que nunca pode se aplicar o aforismo dos hippies, live fast, die young and be a beautiful corpse. (viva ligeiro, morra jovem e seja um cadáver bonito). Eu acho que nós, poetas, França Teixeira, poeta do microfone engolindo o mundo, preferimos viver ligeiro, morrer velhos e, bem, tem tanto cirurgião plástico na praça...
No tempo da gente meu dileto amigo, nós queríamos alegria, sim, nós queríamos festa, sim, mas não nessa intensidade; e a droga era uma exceção escondida, a bala vinha na cesta do baleiro, baleiro, bala. No tempo da gente, carnaval era carnaval, São João era São João e o universo cantava e jogava capoeira nas festas de largo. Hoje é tudo uma esculhambação amorfa, comercial e pornográfica, exploração banal da adrenalina e do sexo. Igual a você, tenho muita nostalgia. Eu acompanhava as festas desde Conceição e Santa Luzia até a Pituba,nas tampas do carnaval.
O ritmo era outro. O espírito era outro. Quantas vezes eu ouvi no diapasão vibrante de sua voz as descrições mais vívidas de nossas fantasias e de nossas mazelas. Mas sempre com a vibração de quem sabe guiar o som para o ouvido; de quem sabe conduzir o olho para a voz e fazer do rádio um instrumento completamente novo, o gênio da comunicação chamado França Teixeira dando uma guinada de 360° e mudando a cara do rádio baiano – depois da locução trepidante, viva, vulcânica de França o rádio sentiu-se envergonhado de seus cochichos com voz empostada, pasteurizada. França vivificou o rádio. Cromatizou o rádio. Transformou o rádio em cinema com sua voz cheia de inflexões, ritmos, cores, parece que a gente está vendo, diziam os ouvintes. Este era França Teixeira.
E o rádio baiano se dividiu em antes e depois de França. A quase maioria dos seus locutores, (mais intensamente em AM e depois em tudo) começou a imitar o nosso gênio que, como todos, sofreu também do preconceito no início. Ele tinha coragem de projetar gíria na sua fala, de trazer o registro coloquial para o ar e não ficar bajulando o discurso bacharelesco. Todo mundo começo a imitar França que cunhou o estilo do rádio moderno na Bahia. Do rádio vivo, popular, que as massas acolhiam como seu e não como o falso discurso burguês das elites corrompidas. Sucesso absoluto. Onde ia a voz de França, ia o sucesso.
Obrigado, meu irmão pór se lembrar de mim. Ninguém se lembra de mim, na província. De nada adiantaram os anos de humilde aprendizado. Aqui na província neguinho só gosta de pataquada e barulho e eu não faço nenhum dos dois. Fico quieto no meu canto, botando sal no meu currículo para ver se o consigo engolir. Na outra encarnação eu vou vir marqueteiro.
É no gogó, neném..