Mais valia
Tenho escrito menos, tempos de crise, trabalha-se mais, curiosamente. Atenta-se para detalhes, custos, despesas, rendimentos. O lado nefasto do capitalismo: a quem nos entregamos, gigante é, soterrando as demais ideologias. Na verdade nem ideologia é, apenas modus vivendi, convenhamos o mais primitivo possível.
Só admite ganhadores, quem não se adapta ao sistema ou nele se perde na navegação, simplesmente está fora. Sucumbe. Cabal e animal. Regras impostas ou transpostas da natureza, os fracos de alma e corpo têm menos oportunidades.
Acabo de ler uma reportagem sobre matadores profissionais em Medellín, na Colômbia. A entrevista é tétrica, apresentando o modo de vida “capitalista” seguido por estes bandidos. Descreve o sujeito, brincando com sua 9 mm segundo o jornalista, que um “paisano” morto custa algo em torno de 2.500 dólares, já o político a atrapalhar planos de traficantes ou aliado ao traficante concorrente é coisa de 10.000 dólares.
Pensei ser mais caro...
De qualquer forma não mostra arrependimentos, convencido (uma ponta de ideologia e filosofia) quem é morto assim o mereceu.
Começaram cedo, aos 16 anos em média. Impuseram seu ritmo e vendem seus serviços, são admirados e respeitados, afinal quem quer encrenca com um matador?
Quando ouço o discurso de vencer, vencer, ganhar, ganhar, partindo de coisas primitivas como o futebol, por exemplo, e suas somas exageradas em contratações mundo afora, a permear-se pela política ou cúpula dos grandes negócios, já mais velho, penso em que diabo os homens se metem para ter seus sapatos chiques, pagar o leitinho dos meninos, como se diz, fazer um tour para a Bahia ou Oropa?
Dois jovens conheço, iniciantes no troço pelo lado mais escravo, funcionários de multinacionais, com discurso em defesa do big money e suas benesses na ponta da língua, tangidos a dar o melhor de si, por longas horas, alimentando cofres jamais verão, me alertaram para a força do sistema.
Imbatível, admirável. Até Lênin, que o combatia, dizia: peguem dele o tem de melhor e usem em nome do socialismo.
Mas cansativo, perigoso.
Já imaginou ir parar na lista de um destes matadores? Ou queimar horas e mais horas negociando produtos agrícolas ou autopeças, conseguindo o melhor para então ouvir “está indo bem”, entretanto a promoção ficou para o sujeito X?
O socialismo onde tentado teve que ser doutrinado, ensinado ao povo; seu maior defeito, pois interpretado de várias maneiras mostrou-se incompleto. O capitalismo requer apenas ganância, todos temos em maior ou menor escala, é intuitivo. Veja como Alemanha Oriental, Rússia e China se deram bem, como nações (não como povos) sem ir a qualquer “aula” de como gerir riquezas e criar capitais. Em instantes sabiam da mais valia, de explorar o outro, de aproveitar dos ganhos e investir, mais e mais.
Um colunista aqui de São Paulo descreve esta semana algo sobre a influência americana, hegemônica, sobre o planeta, obrigando o Nobel ser entregue a Obama, para que de fato se comprometa a manter certa paz. Pensei um pouco para o passado e certo é não existe “influência americana”. São apenas uma colônia deu capitalisticamente certo, por trás de tudo está a temível Europa. Em escala mundial.
Nós brasileiros, eles argentinos e os outros americanos usamos vestimentas europeizadas, falamos as línguas deles, suprimindo as nativas, refabricamos seus carros, construímos casas à sua maneira, jogamos seus jogos, lemos seus autores e até sua moeda, o antigo “Taler”, dá origem ao dólar, pelo menos no nome...
E esses com certeza foram os inventores da forma cruel de criação da mais valia, a que todos hoje se submetem.