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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Juiz cego, justiça furada

Sem a visão, assim o entendimento, a simbologia da justiça se apresenta como neutra, nada podendo ser mostrado a ela como visualmente influenciável. Exemplo estúpido: a loira bonita, de voz macia, melhor tratada que o feio corcunda, apesar de ser, em filme ruim, a pecaminosa assassina. No final feliz é condenada, pois a justiça é cega; ou deveria ser. Cliché.

Vejo aqui a nomeação de um juiz do trabalho cego, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca. Em festa, com a presença do paladino da justiça mor, o presidente. Que, me parece, foi quem nomeou em vista de rejeição anterior pelo próprio sistema judiciário, na rara razoável compreensão somente a estátua cega Iustitia ser símbolo de equanimidade e correção. O que é impossível ao juiz se deficiente visual severo.

Mas não é somente asneira nossa, há nos EUA (eterno paradigma...) caso similar. O sujeito julga questões de trânsito, apelos de multas e por aí vai. Amenizaram a bobagem, dando-lhe cargo inexpressivo. Aqui será coisa séria, empresa ou reclamante jamais poderão apresentar provas visuais como fotos ou filmes para avaliação do camarada e estarem certos de um julgamento isento. Entretanto esse juiz, confrontado com o tema, se defende, dizendo que as provas poder-lhe-iam ser “descritas”.

Sem dúvida, mas é impossível.

Em vista das somas ou direitos que pode custar ao trabalhador ou empresa e prejudicar se for maldosamente descrita, por alguém assim interessado. Além dos horripilantes custos de repassar processos trabalhistas, que podem ser imensos pela infinidade de leis e regulamentos que é nossa legislação do trabalho, para a escrita Braille, a este único juiz cego poder ler...

De qualquer sorte, ao observador mais atento o sistema judicial todo na maioria dos países é sabidamente podre e corrupto. Portanto comporta juízes cegos. Basta ser feita a avaliação: quem paga o judiciário? Quem nomeia juizes da máxima instância? O judiciário dos países passa ao longe da democracia; é autoritário e absoluto, além de corrupto até os dentes. A suprema corte dos gringos é um clube de puxa-sacos de presidentes. A nossa idem.

Na empresica onde trabalho, o departamento administrativo deve gastar em torno de 20% do seu tempo com questões ligadas ao judiciário e governo. Aqui no Brasil somos grandes campeões nisto. E trabalho que sabemos inútil, pois na maioria, na grande maioria dos casos, mesmo em gritante desrespeito ao que dizem leis (ora, as leis...) o judiciário não morde a mão que o alimenta: o governo, com os impostos pagos pelos cidadãos.

E julga sempre contra alguém que ousa empreender ou discordar. O que no Brasil é sinônimo de banditismo, pelo conceito judicial mais amplo. Nosso supremo tribunal raríssimas vezes julga contra governos. E se a injustiça for evidente, alguém pede vistas e não se julga, empurra-se.

Não é?

Porém de qualquer forma, um grande passo adiante nomear um juiz cego para as questões trabalhistas. Politicamente corretíssimo. Inédito. Recomendaria ampliar o direito a todos os cidadãos deficientes, pedindo ao presidente da república como exemplos adicionais nomear seus seguranças, seus motoristas e seus pilotos a partir dos quadros de portadores de deficiências.

Um piloto cego, assim como o juiz com as provas visuais, pode ser orientado por “auxiliar neutro”. (“A pista está mais à direita, comandante, abaixa um pouco... Isso, ...tá quase bom.”). Ou um segurança? (“Atira mais à esquerda Mané, isso, mais alto, mais alto...”). Quem sabe o motorista? (“Aí João, acelerando, segura aí, calma, vira um pouco...”).

Dizia meu bom e precocemente falecido sogro: “Quanto mais pompa, mais asneira... Para delegado, juiz, prefeito, governador ou presidente qualquer coisa serve, não há grandes pré-requisitos”.

Tinha razão. Por isto não embarcamos em aviões com pilotos cegos. Já para prefeito, vamos na onda, qualquer porcaria se engole. Quanto a um juiz nem somos consultados quem assume. Basta ser advogado, 3 anos de experiência e concurso. Um parentesco ajuda, pois o nepotismo no judiciário não se combate nem com leis expressas.

E para presidente o pré-requisito são 36 anos mínimos de idade e talvez informar saber ler e escrever. Podem ser cegos, o governador de Nova Iorque por exemplo é.

Entretanto não deveríamos cidadãos ser obrigados a julgamento por juizes cegos; eles, apesar da nomeação através de um presidente sem visão, também precisam de seus olhos para aquilo que nos é tão precioso e quase sempre negado: Justiça.

Esta pode ser cega mas o juiz deve enxergar, e muito bem.

Iustitia, a deusa romana. Apenas símbolo, por isto a conceberam entre outras e outros deuses. Justiça : imenso cipoal de corrupção e favoritismo, mundo afora.

Juiz de trabalho cego. As provas fotográficas, a visita ao local de um acidente, a avaliação visual se alguém mente ou não é impossível. Como julgará? Pobres cidadãos...

Comentários (clique para comentar)

Hermógenes de Castro & Mello - 28/09/2009 (15:09)

Na verdade tem razão o amigo. Não importa se o juiz trabalhista é cego ou não, pois é consenso ser o empregador sempre culpado, mesmo que não seja, pelo passado de injustiças que pretensamente cometeu, até de tempos escravagistas. E assim agem, sempre condenando a parte "economicamente mais forte", favorecendo advogados que arregimentam os "obreiros" demitidos, exigindo direitos com 30% de honorários. Basta ver as audiências, onde, cegos ou não, a primeira pergunta das juizas e juizes é:-"... e tem acordo?". Quando não há, o que gastará muito de seus tempos, já irritados, detonam contra o empresário, pequeno de preferência, lembrando que as provas são por conta do próprio (todas), portanto sendo acusado deve produzir as "evidências", mesmo que contra si; e na falta torna-se culpado, a "obstruir", e caso o faça concordando, verá porém que no "sub-item C da convenção coletiva é vedado ao primo de segundo grau da obreira gestante aspirar vapores de detergentes no banheiro da colonia de férias e a prevenção cabe ao empregador". Ou estou mentindo? De qualquer sorte tem razão: na área trabalhista os juizes podem ser cegos. Ou inexistentes, pois são mera figura simbólica. In dubio pro misero sempre, jamais in dubio pro reo, o lema inexistente na justiça do trabalho brasileira.

marbidi - 25/09/2009 (18:09)

O ilustrado blogueiro aqui me parece cego de raiva, talvez em razão dos 20% de tempo que gasta com "affairs" de justiça e governos em sua "empresica". Raiva justificada, sem dúvida. Não passam, porém e a meu ver, de preconceito as investidas contra o deficiente visual que assume cargo de juiz pelo quinto constitucional. Quem costuma acertar, quem costuma ver bem, agora equivocou-se totalmente.