O diário do Sr. Martins
Talvez muitos não saibam, mas como país de imigrantes, o Brasil adota hábitos dos novos moradores, desde que Cabral por aqui passou em 1.500; passando pela feijoada portuguesa mesclada com o feijão preto africano aos jornais, pois é: jornais em línguas distintas, como em japonês, alemão e inglês.
Com suas restrições no passado, por medo do fascismo ou para agradar novos amigos. Mas isto é comum, vejo a bobagem dos americanos a “censurarem” as batatas-fritas (fritas à francesa, french fries), renomeando-as freedom fries já que os franceses não se interessaram em invadir o Iraque, por não entenderem o propósito do assunto. Os alemães também não foram, mas pelo visto não acharam nome adequado para renomear a cerveja...
De qualquer forma, há jornais publicados em outras línguas, o que pessoalmente penso ser um grande passo no que se diz por aí ser o “respeito às minorias”; direito divulgado, mas pouco praticado, excetuados os hoje prestigiados homossexuais, em vitoriosa campanha. Souberam se organizar.
Na língua alemã que tanto me interessa pela origem, temos aqui acho que até dois jornais na Paulicéia desvairada. Deutsche Nachrichten e o Brasil Post. Não sou assinante, na verdade até dos grandes diários desisti. Estes segundos, muito caros, têm infelizmente em política e futebol, nesta ordem, seus baricentros. Desperta o desinteresse e o constante descrever da corrupção e hipocrisia, os mesmos times e copas, bem, também cansa. Além dos sonolentos colunistas destes jornais (basta ler as semanais de ex-presidentes da república, um deles membro da academia de letras e talvez símbolo maior do que não desejamos), tediosos, repetitivos.
Porém os jornalecos semanários em alemão são curiosos; e bem antigos. O Brasil Post com 50 anos, o mais interessante. Pesco um ou outro, gratuitamente, quando em livraria ou restaurantes.
E é neste que leio um artigo de Julia Martins, sobre o diário de seu bisavô, Heinrich Martins e sua vinda ao Brasil, nos anos 1930. Fez a jovem escritora certo delicioso apanhado dos dias, desde a saída da Ucrânia soviética, até a chegada em vilarejo no sul do Brasil. Pelo diário o bisavô da jovem era algo como um líder desta comunidade de denominados menonitas.
Arregimentação religiosa não violenta, pregam a paz. Na verdade não só pregam, como pelo que entendi quando há encrenca esquivam-se à procura de outra saudável praia. Razoável, há mulheres e crianças envolvidas. Briga não é com eles.
O pregador inicial, Mennon Simons, um religioso holandês a procurar novas formas de cristianismo, menos beligerante, menos violento e sem os adornos majestáticos cria essa nova maneira protestante. Seus seguidores se mantém, até hoje. 1.500.000 de menonitas, muitos por aqui. Alguns mais radicais nos Estados Unidos, repelindo de energia elétrica a motor de combustão, outros apenas praticantes de antigos ritos, integrados nas sociedades locais.
Mas são da paz, é o que importa.
Julia Martins descreve porém em seu artigo sobre o diário do bisavô aquilo que nos faz tão brasileiros. Independentemente de terem sido expulsos pelos sovietes (por serem Kulaks, donos de terras), os russos menonitas de origem alemã (até hoje mantém o idioma, de linguajares complexos do século XVIII, similar ao ídiche, holandês, flamengo ou baixo alemão) foram perseguidos e expulsos, muitos vindo para cá. E mesmo assim, isto não permitiu que após esta viagem infernal ao outro lado do mundo, apenas com restos de seu outrora bem-estar enfiados em poucas malas, criar-se alguma compaixão com o grupo. Exigiu-se a caixinha para liberar papéis deficientes ou inexistentes e, claro, parte da bagagem foi roubada em Blumenau.
Somos assim e éramos assim em 1930... Até antes, Charles Darwin já se irritou com o pedido de taxas e gorjetas para poder visitar um sítio acompanhado de guias oficiais, onde hoje é Campos. No Rio de Janeiro, ao desembarcar, seu primeiro contato com a alfândega o faz odiar o que chamava de "homens de escritório".