Filas para o abate
Como ser humano, masculino, me enquadro na categoria mais comum, a que chulamente chamamos de “bundões” ou “babacas”. Eu diria 99,5% dos homens deste planeta, neste pormenor, fazem parte do dito grupão. Os carneiros, como nos autodenominaríamos, se perguntassem.
Fazemos filas obedientes para apresentar documentos, somos educados com “otoridades”, somente corrompemos em casos extremos quando percebemos que, sem o ato, nossa integridade ou mínimo conforto se torna ameaçada.
Marchamos para a morte comandados por idiotas de uniforme, que assim o determinam com ameaças de prisão ou de morte, em nome de um país, esse em momento de mínima lucidez percebemos ser apenas um apanhado de letras e linhas imaginárias.
Enfim, dizem os sociólogos e psicanalistas ser o preço para a vida em paz, em grupos que somos.
Aqueles discordarem saiam a navegar solitários, escalar montanhas, conquistar os pólos ou ser presos, por não se adaptarem às regras que nenhum dos 99,5% estabelece. Mas apenas 0,5%, que são os executivos e legisladores, religiosos e militares. O resto, repito, dança conforme a música que a maioria nem conhece direito.
Mas dança.
Quanto à outra metade do gênero, as moças, senhoras e meninas, pouco posso opinar. Tenho para mim no fundo são seres alienígenas nos comandam com seus encantos, sexo e charme. Convencendo discretamente os bilhões de babacas a se matarem uns aos outros em infindáveis guerras, ou somente a si mesmos, trabalhando dias e dias, alguns com sorrisos nos lábios.
Vai entender...
Uns poucos se libertam e se dedicam à vida livre sem rumos, às vezes criminosa. Em pequena escala nos assaltando na esquina ou em larga escala, na presidência de um senado, por exemplo.
Homens livres.
Os da tal pequena escala são perseguidos, implacavelmente, enjaulados às vezes, maus exemplos para os bilhões de carneiros, a não imitarem o ato vil de enfrentar ou questionar o que os 0,5% determinam ser seu benefício, mesmo não seja. É um gigantesco jogo de futebol, com torcidas imensas. Como neste, todos se entusiasmam, chegam a se digladiar nas ruas por um time; até em determinado momento alguém dizer: é só futebol. A frustração terrível se abate.
Leio aqui um curioso livro: Norte Verdadeiro (Objetiva, 2006) de Bruce Henderson. Descreve a batalha entre dois (amigos até) homens para a chegada ao Pólo Norte. Por anos, com métodos complexos, envolvendo-se em intrigas, dissabores, infidelidade com as esposas e filhos ilegítimos com as pobres esquimós da Groenlandia. Um apanhado de malandragens onde o autor põe em dúvida se de fato o Dr. Frederick Cook foi um charlatão que nunca chegou ao Pólo ou se o oponente Robert Peary ao saber do fato, moveu sua pesada influência junto à fina sociedade americana, incluindo o presidente da nação, para tomar a si os louros tão desejados.
Fascinante o livro, a história por ser relativamente recente encanta. E não haver provas de quem de fato lá chegou antes.
Porém de alguma forma mostra também o ato de coragem (ambos realmente podem ter ido ao Pólo, todavia em épocas diferentes) destes que se destacaram dos 99,5% da época, indo fazer aquilo que é dos homens livres, de verdade.
Não de nós bundões que obedientemente nos alinhamos em filas para ir ao abate moral, durante a maior parte de nossas vidas. E imaginamos estar fazendo a coisa certa, aguardando elogios...
Somos assim.