Viagens respiratórias
Por Luiza Bussius, de Rio Claro
“ É a diferença entre as culturas que torna seu encontro fecundo ”,
Claude Lévi-Strauss, De perto e de longe.
Nos últimos anos percebi que as viagens passaram a ter um significado mais forte. De caráter respiratório. Sinto nelas certo movimento de inspiração e expiração.
Inspiração é o período de duração da viagem e expiração é o pós-viagem, os dias e anos se seguem, no qual a cabeça organiza as reflexões e onde o oxigênio, no caso metáfora de experiência, é absorvida pelo corpo, alma, mente.
Fiz recentemente uma dessas viagens respiratórias. O destino foi o estado de Rondônia. Fronteira com a Bolívia, bioma amazônico, clima úmido e muito quente. Partimos, um casal de amigos e eu, para nos aproximarmos de um dos povos indígenas que habitam o rio Guaporé. Numa margem Brasil, na outra Bolívia.
A etnia que tivemos contato foram os Wari`. Oriundos do tronco lingüístico Txapacura e tendo como subgrupos os nomes Oro waram, Orowamxijein, OroKaoOrowaji, Orojowin, Oronao, Oroe, Oroat e Oromon.
Wari` significa "nós".
Passamos uma semana na aldeia dos Wari`. A terra foi cedida pela Igreja Católica algumas décadas atrás. Fica numa baía muito bela, que transborda calmaria. Muitos botos pelas águas assim como muitas aves pelo céu.
A aproximação foi lenta. Eles são tímidos e passam algum ar de desconfiança. Resquícios das atrocidades por que passaram e passam até os dia de hoje.
A língua é o wari`, mas a maioria entende o português. Há uma grande diferença nas linguagens. O português distingui-se muito da língua wari`e isso percebe-se no falar dos indígenas. É impressionante estar no Brasil e ouvir uma língua tão incomum para os meus ouvidos, incrível. A riqueza de línguas indígenas no país é abundante e não temos noção do universo cultural que elas carregam, daí sua gradativa perda e desaparecimento destas; com o avanço cada vez mais forte de uma onda de homogeneização cultural, fruto de uma indústria cultural bem articulada.
A inspiração respiratória da viagem foi principalmente a experiência de outras realidades. Mergulhamos em nossas rotinas, repletas de nossa costumeira cultura e esquecemos das diversas possibilidades de modos de vida que manifestam-se no nosso país. Pois falar de mundo já é pano para muita manga. Fiquemos, portanto, pelo Brasil.
Habitamos um território muito grande, que apresenta diversidade culural abundante, ao mesmo tempo que mantém os traços brasileiros tão nítidos. Como é o caso do plantio e da produção da farinha de mandioca, tão presente de norte a sul no país; a mistura étnica no semblante das populações e a comum corrupta e ineficiente estrutura política e administrativa dos governos.
Enfim...semelhanças e diferenças.
O modo de vida da aldeia Sagarana, na qual ficamos uns dias revela um baixo, quase zero acúmulo de excedentes, assim como um consumo também muito menor que o habitual das cidades.
As atividades são divididas por gênero, cabe as mulheres cuidar da casa, preparar o alimentos, trançar o artesanato, lavar a roupa no rio e semear a roça.
Os homens ficam com a pesca de arco e flecha, o roçado, a caça e mais algumas outras tarefas. As crianças circulam por todos os lugares, sempre em grandes grupos, desde pequeninos que mal andam, até os mais crescidos; tomam conta deles mesmos, sem presença adulta.
O rio é um espaço de uso intenso. Seja nos banhos muitas vezes ao dia, no lavar roupa, no trajeto de canoa, na pesca, etc.
A terra é fundamental pois é o sustento da vida. Sem ela não há comida, não há chão, não há cultura. Daí a luta crescente do movimento indígena, que articula-se pelo país afora, reivindicando principalmente o direito a terra. Curioso, posto que são os habitantes, desde tempos de colônia mais antigos por essas terras brasileiras. Falta reforma agrária e valorização de culturas tradicionais. A luta é árdua, cansativa e complexa.
Outro aspecto inspirado pelas bandas do norte foi a questão ambiental, tão presente nos discursos atuais. Fato é, a pecuária avança cada vez mais e com isso suprime-se terras, matas virgens de beleza inestimada e culturas tradicionais da região.
Só boi não dá.
Diversificação dos modos de produção, principalmente agrícola é preciso, caso haja interesse em preservar nossa espécie humana. O sustento humano vem das terras! Acabamos nos distanciando desse ponto quando vivemos em centros urbanos que cada vez mais cimentam a terra nossa de cada dia.
Respiro.
Há muito o que se ver por esse país. Muito o que experimentar.
Viajar é respiro para a alma, é inspiração e expiração. É absorção de experiência e energia para continuar respirando.
Viajar é preciso.
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