... é evidência? Parte 3
Continuação
Não era raro escrever tratados de método à época e isso se estende até o século XIX, de modo que podemos dizer que ''A interpretação dos sonhos" (Freud, 1900) é um tratado de método. Um método de uma ciência nova, de técnica, teoria e pesquisa, mas que não entrou para o bom senso, não se tornou doxa, opinião, menos ainda ortodoxa, opinião verdadeira. À navalha de Freud, à navalha do inconsciente, não se supôs nenhuma evidência.
Tal como o fez Koyré, perguntamos: quem contestaria a evidência da razão? Quem negaria que ter idéias claras é superior a ter idéias obscuras? Quem contestaria a preferência da ordem e a necessidade de começar pelas coisas mais simples e mais fáceis e não pelas mais difíceis e complexas? São lugares-comuns aceitos como evidências. Contudo, que clareza e que ordem devemos seguir? Quais são as coisas simples e fáceis pelas quais devemos começar?
O mesmo não se dá com os lugares-comuns do método freudiano. Contesta-se que o inconsciente seja a razão (que evidência pode haver no conceito de inconsciente?); que um sonho seja a realização de um desejo (que evidência pode existir no desejo inconsciente da morte de uma pessoa querida?); que um sintoma seja um modo de obter satisfação (que evidência de satisfação pode haver naquilo que causa sofrimento?); contesta-se que o recalque seja primário, isto é, ato da própria linguagem, do significante (que evidência pode haver no recalque primário se o senso comum concebe a repressão como social e o recalque como parental?).
Há muitas razões para isso que denominamos 'a causa perdida da psicanálise': razões econômicas - isso alavancou demasiadamente a indústria farmacêutica; razões subjetivas - isso tornou dispensável a responsabilidade do sujeito do inconsciente na formação do sintoma; e, entre outras razões que vou chamar filosóficas, ou melhor, ideológicas, a evidência da ciência.
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