Minha esposa viajou e fui curar a solidão no templo...
Por Luis R. Barbieri, em Amritsar, Índia
Como muitos já sabem, já viram ou ouviram, minha esposa foi passar uns dias na Alemanha para se aprofundar na pesquisa do mestrado dela e depois rumou para o seio da família em Sampa. Eu, como não pude fazer parte desta deliciosa viagem, fiquei aqui na Índia acompanhando as previsões do tempo: MIN 39, MAX 45 , e cumprindo o dever, que foi afinal o motivo inicial desta aventura indiana.
Durante a semana aproveito a solidão e fico no escritório até o olho fechar, então quando chego em casa não há sequer um momento para sentir a solidão. Como no final de semana não posso me ocupar trabalhando 14 horas por dia, resolvi que teria que viajar logo no primeiro.
Os nossos amigos da colônia brasileira em Gurgaon, Ricardinho e Manu, estavam planejando visitar o Punjab, acompanhando um amigo que se encontrava de passagem pela Índia.
Amritsar fica no estado do Punjab, norte da Índia, uma região com uma forte e rica agricultura e um dos grandes produtores de trigo do país. A cidade, localizada no centro geográfico do estado do Punjab, já foi muito importante, mas devido à partilha após a independência, em 1947, acabou ficando na fronteira com o atual Paquistão. Entretanto a principal atração de Amritsar não é nem a fronteira nem a produção de trigo, mas sim o Golden Temple.
Este grande templo dourado é a Meca dos Sikhs, uma religião dissidente do hinduísmo e muito conhecida pelo trabalho de caridade que realiza em todos os seus templos ao redor da Índia e do mundo. Porém, como estou ainda na minha fase inicial de estudos religiosos indianos, não vou me arriscar a explicar aqui mais sobre a história dessa religião e seus princípios. Quem sabe num futuro próximo, quando minha jornalista historiadora voltar, faremos uma descrição mais aprofundada da religião sikh?
O que gostaria de compartilhar com todos foi a minha visita ao templo, realmente uma experiência inesquecível e com certeza digna de vários retornos. Sendo o principal centro da religião, ele atrai diariamente milhares de visitantes.
Ao chegar no templo é preciso retirar os sapatos e deixá-los num guarda-volumes, comprar um pano para cobrir a cabeça e, antes de entrar no sagrado local, atravessar um lava-pés comunitário. Ao passar por esta etapa você percebe a força e importância do lugar, uma vez que muitos dos fiéis se agacham e levam algumas gotas daquela água à boca, como uma espécie de benção.
Chocado com esta chegada, ergui a cabeça e vi com os olhos doidos de tanta luz o sagrado templo dourado, rodeado por um lago e situado no centro do enorme complexo religioso.
Ao redor do lago haviam milhares de pessoas, roupas coloridas, turbantes. Alguns homens se banhavam, outros rezavam sentados no chão. Rumamos então para a passarela que dá acesso ao tempo dourado, o número de fiéis é incrível. Demoramos uma hora e pouco nesta fila para atingir o centro sagrado, de onde descobrimos a origem da música que se espalhava por todo o complexo religioso. Era como uma pequena banda, todos sentados no chão, e o vocalista lia o livro sagrado dos Sikhs numa voz melancólica e ininterrupta. Ao lado dos músicos um homem distribuía pequenas bolachas feitas de açúcar e água.
Ao sairmos do interior do templo fomos visitar a cozinha comunitária, que serve gratuitamente mais de 12 mil refeições. Como podem imaginar, o meu maior interesse não era comer naquele local sagrado, mas sim entender o seu funcionamento e ver todos trabalhando para gerar aquele volume enorme de comida. Logo na entrada vemos sentadas no chão quase cem pessoas, descascando e picando os legumes: cebolas, abóboras, alho, batatas. Um pouco mais para dentro, estava a produção de chapatis (primo indiano da tortilla, feito de trigo), eram três fileiras com vinte pessoas em cada e uma grande chapa produzindo dezenas de pães por minuto. No mesmo local, estava sendo preparado o dahl (tipo um caldo de lentilha, base da comida indiana) num enorme caldeirão de cobre sobre labaredas de fogo geradas pela queima de grandes toras de madeira, uma cena quase medieval.
Como forma do trabalho de caridade, o templo abre suas portas para todos os fiéis que ali quiserem dormir. Uma amiga nossa brasileira, a Mari, dormiu ali e sua experiência me motivou a fazer o mesmo. O que realmente recomendo a todos, pois o templo durante a noite é um lugar muito interessante. O vocalista da banda encerra a cantoria à meia noite, mas as pessoas não param de rezar de forma independente durante toda a madrugada. Fomos dar uma volta às 2:30 da manhã e vimos toda aquela passarela de mármore ao redor do lago forrada de gente, um silencio absoluto e nos cantos alguns grupos cercavam seus sacerdotes e cantavam e rezavam quase como um murmúrio.
Antes do primeiro raio de sol, a música central se inicia e todos se levantam para realizar a reza matinal. São 5 da manha e o templo esta cheio de vida. Dormi basicamente 3 horas e fiquei durante a noite pensando na força da religião e na forma como acolhem as pessoas.
Saí do templo e peguei um voo de 1 horinha até Delhi.
Quando a esposa voltar quero levá-la para lá. Recomendei a todos os meus parentes e amigos que vierem para a Índia, que reservem pelo menos duas noites para experimentar este lugar.