Piracicaba
Eu pequeno, meu pai, vendendo máquinas para usinas de açúcar, de tempos em tempos me levava nas viagens próximas; Limeira, Piracicaba, Araras. Nem sempre deixavam crianças entrar, mas na maioria o moleque era bem-vindo. Não me sai da cabeça o forte odor da fermentação, próximo às tais dornas, onde o caldo de cana lentamente se transforma em vinho e depois álcool. Enjoativo.
Entretanto, marcante parte da infância, observar a torrente de açúcar quente, saindo dos tachos, a correr por cima das peneiras: maquinetas que o pai aperfeiçoara a pedido dos usineiros. E em estranha continuidade que não explicamos, passa a ser minha tarefa anos após. Em escala globalizada, os peneiradores rodam hoje até na Nigéria e no México e em mais de 200 usinas brasileiras, garantindo o açúcar uniforme à mesa, parece. Seria orgulho do velho, com certeza, saber de suas máquinas em tal distribuição. Mas o destino faz contas distintas das desejadas.
E muitas vezes o prêmio por acompanhar em algo não ser exatamente diversão juvenil, era um belo almoço no Mirante, em Piracicaba.
E o seu famoso pintado na brasa, com maionese e arroz. Inesquecível.
Diante desta matemática do destino, quis o meu filho ir estudar por lá, deseja ser agrônomo, desencantou-se com a cidade grande.
Visitei-o este fim de semana e o pretexto era a procura do tal pintado na brasa do Mirante.
Não existe mais, no local. Está mais acima, não visível o mirante do salto do Rio Piracicaba. Briga com quem alocava, sairam e fim do troço. Nem os pintados do rio há, poluído e fétido, infelizmente.
Mostrou-me meu filho onde se come, ainda com boa vista do rio, mas longe do exuberante salto um pintado excelente, amazônico porém. Ou filhote, talvez o peixe mais gostoso do norte do país.
Fui à velha usina, próxima, que ainda operava nos anos 1970 quando por lá meu pai me carregava, dando-me comandos para me comportar “condignamente” à frente dos clientes...
Está desativada, fez-se um remendo de projeto de restauração e uso como espaço cultural, mas é apenas uma mal-cheirosa ruína. Coisa de 1881, experimento de um usineiro moderno tentar industrializar sem trabalho escravo a produção de várias usinas, mas foi vencido pelo tradicionalismo e vendeu tudo a um grupo frances. História, acabou.
E por fim bela surpresa, o que alegra o espírito. O filho nos leva a um simples restaurante beira de rio, de nome horrível, Restaurante do Chevette, onde provo a melhor porção de nacos de pintado empanados, com maravilhosa cerveja gelada, olhando para o lânguido Piracicaba e suas águas sujas.
Momentos de relembrar, somos assim.
Clicando sobre as fotos, ampliam-se.
A ruína da velha usina, por onde ainda andei quando em operação, acompanhando meu pai.
Removidos os equipamentos originais (eram de 1881) o prédio de construção esmerada, tornou-se espaço cultural. Mas precário.
O imenso espaço interno poderia ser bem aproveitado para uma cidade rica como Piracicaba.
A sede administrativa da usina é de 1938, uma construção que impressiona pelo esmero. O piso em madeiras nobres assim como o teto, abrigam hoje a exposição de caricaturas, no famoso festival de cartunistas daquela cidade.
O salto do Piracicaba. Menino ainda comi o pintado que por lá se pescava. Mas hoje os pescados vêm da distante Amazônia. E o Restaurante do Mirante já não existe mais.
Alternativa deliciosa é o Restaurante do Chevette, mais adiante.
Postas de filhote amazônico grelhando à beira do Piracicaba.
E o prêmio: nacos de pintado empanados, com a dita sauce remoulade e um cuzcuz de camarão fluvial imbatível
- 11/05/2009 (11:05)
Obrigado pelas dicas. O restaurante do Mirante eu observei que está na rua de trás. Mas ficou, como se diz: descaracterizado. Uma pena. Olhar a queda do Piracicaba era divertido. Hermógenes.
Carina - 10/05/2009 (16:05)
Olá, gostei do seu post,acho legal ler sobre quem realmente viveu na época em que o enghenho central funcionava!
Mas, venho falar sobre o srestaurantes... Sobre o restaurante do Mirante, era linda a vista... porém fechou devido a um problema com o dono do local, porém está funcionando na mesma rua, logo em frente sem a vista para o rio, mas como meus pintado na brasa.. .são os mesmos donos, e funcionários.
Em relação ao restaurante do chevette... é o meu prefrido... em dias normais realmente da uma sensação de abandono, mas em dia de festa (como hoje, dia das mães) lota, de ter que esperar por uma mesa... para quem gosta de apreciar o paisagem e de sossego, é melhor ir em dias normais, até o atendimento é melhor! Quando for ao chevette novamente, peça uma piapara na brasa e uma porção de dourada.. .que é muito bom! abraços. (meu blog: nacozinhadacarina.blogspot.com)
Hermógenes de Castro & Mello - 04/05/2009 (14:05)
Me pareceu tudo muito simpático por lá, apesar de meio vazio, à luz do dia. A crise pelo visto é para todos, até o setor de restaurantes. Uma refeição em casa sempre sai mais em conta, é vero...
b. picchi - 04/05/2009 (12:05)
Fui à Pira esse final de semana e fiquei espantado com a situação de abandono de uma das ruas mais baladas, muito boa para se sair e tomar umas de noite: a Rua do Porto - ao lado do Chevette.
Escura, às traças, a Rua do Porto perdeu o bar mais legal que possuia (o Bar do Caipira), resultando numa experiência perigosa tentar a noitada lá.
Triste, pois a cerveja era barata e o som muito bom, além de colorir a Rua do Porto com mesas ao longo da viela que desemboca (literalmente) na beira do Rio Piracicaba.
Enfim, descobri que a maionese que acompanha o pintado do restaurante Mirante é feita com abacate, ao invés de ovos. ABACATE! Interessante, não?
Thomas - 28/04/2009 (11:04)
Adoraria um filhote seu, mas acredito que o transporte deva ser complexo. E algumas cooperativas daí estão trazendo filhotes e pirarucus, já em postas direto para cá. Melhor ir aí, a paisagem me encanta.
Luciana - Belém - 27/04/2009 (23:04)
Vou mandar-te um belo filhote, queres?
Saudades de todos.
Beijoss