Um acordo funesto
Por Ildásio Tavares
Um dos maiores crimes cometidos pela Ditadura Militar não se resume ao que foi perpetrado nos cárceres em espancamento, agressão, tortura, assassínio – estriba-se no processo de lavagem cerebral a que foi submetido o país e que, se não funcionou in totum com a geração 1960, marcou a ferro em brasa as gerações subseqüentes, cujo alto teor de alienação, conseguido por massificação, não se limitou à geração 1980, os Filhos de 1964, mas foi por esta geração passada adiante, sem grandes sinais de diluição.
E o maior sucesso da doutrinação que vinha de todos os lados, casa,escola, faculdade, jornal, rádio TV, deve-se à simplicidade meridiana da mensagem inoculada. Enquanto a esquerda remoia Gramsci e outros bichos, em formulações complicadas, a direita batia em duas teclas apenas – fique rico e seja feliz. A finalidade maior da vida é ganhar dinheiro. O resto vem por osmose. E para ganhar grana, você tem que ser um tarefeiro bem pago. Era isto que a Ditadura pregava. O Brasil é escasso de mão de obra qualificada, principalmente mão de obra técnica. Se você aprende a apertar um parafuso bem, algum dia, será um milionário.
Resultou um grande blefe. Os brasileiros tornaram-se, sim, tarefeiros mal pagos; exauriram suas vidas chupando parafuso para ver se virava prego e a pobreza só fez aumentar. Os grandes pensadores acham que a finalidade da vida não é ganhar dinheiro. Diógenes ia ao cemitério toda noite. Perguntaram-lhe o que fazia lá. "Tento ver a diferença dos ossos dos pobres para os ossos dos ricos", respondeu.
Boa questão. Para quem chegou à maxweberização(...) total da vida burguesa; para quem descarta qualquer escrúpulo; qualquer sentido de ética nas busca sedenta pelo vil metal.. Tem grana. Tem status.
Em finais de 1971, Fernando Batinga, meu chefe na Luta Armada estava exilado no Chile e nos correspondíamos com freqüência e com liberdade, eu nos Estados Unidos. Inclusive, pude ajudar muito os exilados, correndo o chapéu com os militantes e panteras. Este homem extraordinário chamado Jorge Amado, certa feita me deu 500 dólares para os refugiados, dizendo, "eu sei o que eles passam. Eu também já fui um deles". Jorge era escritor residente, nesta época, numa das mais importantes universidades americanas, a Penn State. Foi Fernando que me deu o sinal verde para voltar ao Brasil. Nosso chefe comum Amílcar Baiardi tinha sido torturado, pau de arara e tudo, e não falou. Estamos limpos, disse Batinga. Se quiser pode voltar.
Voltei com o nefando Acordo MEC-USAID que orquestrou a massificação, arriscando meu pescoço. Ao chegar, procurei um quadro que pudesse divulgar o crime educacional. De preferência do Partidão que tinha mais credibilidade. Pensei em Domingos Leonelli. Andava sumido, não achei. Pensei em Roberto Garrido que acho já namorava Duda, de família aguerrida, sua irmã presa e o cambau. Lembro bem que, numa passeata, eu tomei o megafone comprometedor de Duda e levei depois na casa dela no Garcia. Roberto pegou o Acordo. mas me pediu que eu traduzisse. Não havia condição. Até hoje. E sumiu.