Urros e pedras em noites frias
Foi rápido, ligeiro, apreensivo.
De repente pegou-me. Não tive chance, doeu-me, como se milhares de pequenos Satanases me torcessem as esferas íntimas, sim, essas que você está imaginando.
E não ao mesmo tempo; não; eram diabinhos enfileirados e, um a um, com satânico prazer, esmeravam-se no ato de maltratar tão delicadas partes. Já suou gelado? Não frio, gelado, mesmo. Pois era o que me acontecia, o líquido corpóreo expelido, procurando pelo pescoço e costas o caminho até o vale interglúteo.
Os olhos piscavam, tudo incomodava: luz, som, afagos. O desejo, ora, simples, era morrer. Puft, instantâneo, fim do problema.
Mas eis que surgiu o velho Aníbal, com suas bagagens médicas e triturando pelos dentes um pouco simpático "Contenha-se, Hermógenes, não vá atrapalhar meu trabalho com esses seus urros ridículos".
Meu Deus, quanta falta de sensibilidade! Apontou-me, porém, uma deliciosa, linda, pontudíssima agulha hipodérmica. Dentro, melhor do que mil Martinis gelados, alguma seiva milagrosa que livrar-me-ia da dor, essa maldita praga ressurgente de tempos em tempos, graças a meus então congestionados rins, onde as pedras se acumulavam e ordenavam-se para o ato de brindar-me com momentos de terror.
Espancando-me os braços, para mostrar alguma velha veia grossa que receberia o líquido adorável, Aníbal executa uma picadela, mansa, penetrando as carnes e gerando o calorzinho local, já anunciando que o grande alívio virá. Um minutinho, outro mais e pronto! A dor entrega-se, não luta, morre simplesmente. Não suo mais, a felicidade volta, quero viver.
"Sra. Mello, se não convencer esse sujeito a operar esses malditos rins, e tirar o entulho todo que lá está, vou deixar de atendê-lo em meio à noite, com esse frio miserável".
Mesmo assim, o rabugento Aníbal apareceu mais algumas vêzes, provavelmente graças aos grandes genebras que minha doce Maria lhe oferecia, após abafar-me as dores.
Assim regulava as suas dorzinhas, vindas talvez de pedras perdidas na psique de cada um. Quanto aos meus pedregulhos, coitados, depois de carregá-los tantos anos, foram implacavelmente detonados por um modernismo ultrasônico, recém-inventado, que nem Aníbal, nem eu, entendemos direito.
Mas funcionou...Tenho saudade das injeções e, provavelmente, Aníbal dos genebras.
Dentre os escritos de Euclides Neto (1925 - 2000), escritor baiano, achou quem reedita sua obra, entre seus guardados, um texto que enviei faz muitos anos, mas não lembro quando, não há data. E o camarada por lá arquivou, por alguma razão. Soube que também padecia de cálculos renais... quem tem sabe do que estou escrevendo.