Bakshish
Por Ömer Shayinkaya.
Tempos atrás surgiu por aqui, na firma onde labuto, uma fiscal do trabalho. Criatura prepotente, como todo ou toda fiscal, independente da área. Verificou uma ou outra coisa, já foi detonando que estava tudo errado, que a multa seria alta, etc. etc. etc.
Quem atendeu, um nobre colega de trabalho, já veterano nestes assuntos, apenas ouviu pacientemente e depois da saraivada de bobagens que a criatura despejou, fez uma franca proposta de corrupção. Prontamente aceita, nestes últimos 12 anos temos tido 100% de taxa de acerto, quando apostamos se é ou não corrupto.
Todos são.
Perdeu a graça.
Até aqueles os quais, assim corria o boato, não exigiriam nada, por muito bem pagos, como da receita federal, pediram; chantageando. E atendidos por somas sempre bem menores que as solicitadas. Eu diria que na área federal 99% dos agentes de fiscalização de qualquer área são corruptos, minha estatística pessoal assim o anota. Na área estadual fiscal, também = 100%. Na área policial federal por sorte até hoje não tivemos nenhum contato (e espero jamais termos).
Já na divertida federal rodoviária, 100% são corruptos. Certo motorista nosso resolveu a questão, acreditem se quiserem, com dois rolos de papel higiênico, pois jurou ao policial que não tinha dinheiro vivo algum e este se contentou com a celulose.
Na polícia rodoviária estadual idem, nos breves contatos mantidos. Na área municipal não, são pouco ativos seus agentes de fiscalização e por conseqüência quase nada ocorre. Modestos pela formação, contentam-se com os salários e a estabilidade. Com suas exceções, basta ver aqueles gorilas que aterrorizam bazaristas e camelôs, a pedir a caixinha.
Durante certo período, no setor da fiscalização do trabalho, o gerente aqui cometeu um sério erro, e achava que tendo as coisas em ordem, poderia escapar, sem multas ou propinas. Nossos colaboradores do depósito de caminhões usavam tantos EPIs (equipamento de proteção individual) que pareciam astronautas, a garantir a fiscalização nada "pegar".
Ledo engano, a questão era simplesmente inventada, criavam-se multas a partir de suposições do fiscal ou simplesmente sem qualquer embasamento legal. Inventava-se algo e pronto, lá ia multa. Inusitadas até, como pela não concordância da posição de uma luminária em relação ao corredor de circulação. Um castigo por não atender a demanda corruptiva. E em seqüência infernal, com 10-12 inspeções por ano. Reconhecido o “erro”, jogou-se a toalha e voltou-se à prática do bakshish.
Ocorreram casos jocosos, como atendi pessoalmente, receita federal. Depois de levantamento curioso e furioso, com números absolutamente fantasiosos, o sujeito apresentou “auto de infração” ou similar, que correspondia em valores a quase o total do faturamento semestral da empresa. Tão absurdo, quando nos apresentou nossa primeira reação instintiva foi de rir. Tentou fazer cara séria, brava, mas como sabíamos nossos impostos estavam em dia e em ordem, abrandou a demanda e disse que “pela metade do valor, por fora”, não haveria multa.
Rimos, de novo.
Por fim sugeriu-se algo como uma pequena porcentagem do total, assim economizaríamos o advogado. Era próximo do valor de duas passagens para a meca, Roma, destino anual dele e da esposa. Disse que lá sentia-se seguro... Pagamos em lance pitoresco: o malandro em seu carro fino, estacionado a um quarteirão, rapidamente abriu a janela e levou o tutu; só em espécie, é claro.
Ainda me fez jurar que eu destruiria o auto de infração, sem propósito após o acordo. Comecei a rasgar, à sua frente, joguei ao lixo e quando se foi, coletei tudo e guardo comigo até hoje. Lembranças...
Outro, da área estadual, levantou polêmica imensa sobre notas fiscais de remessas com retorno de industrialização para materiais destinados a outros estados (tem ou não tem imposto?). Ao fim, sugeriu, cansado de olhar papéis, pastas e documentos, que encurtássemos a história com um mimozinho. Chantagem à corrupção: pague ou peço tantos papéis, mesmo corretos, vocês enlouquecerão.
Veio buscar, em seu elegante Audi preto, carro do ano, o forçado presente. Olhando com firmeza e semblante de certo arrependimento, fez a pergunta mais imbecil na história do funcionalismo público, segundo meus particulares critérios:
-“Estão dando de coração?”
Ai, ai, minha Turquia, não mudas mesmo...
Que Alá nos proteja!
Ömer Shayinkaya foi meu colega na preparação para uma universidade alemã. Desisti, desistiu ele; mas continuamos amigos. É gerente administrativo de uma empresa de transportes em Istambul, voluntário do Crescendo Vermelho e exímio violinista nas horas vagas. Escreve regularmente para o Aksarai Gazete na Turquia e Aachener Turk na Alemanha. Traduzido do alemão por mim.