O pescador e sua esposa
Leio aqui entrevista em o Estado de Humberto Werneck (as folhas do veículo andam estalando, porém não pelo farfalhar ao vento, talvez mais pela rigidez da antiguidade arbórea dos colunistas e editorialistas, incluindo os novos) , escritor e jornalista renomado. Lamento, não me recordo bem em qual dia publicada; no último domingo talvez; guardei a página mas não há data.
Fala de literatura, livros leu, gostou e desgostou.
Fui adiante, em alguns pontos concordei, alguns citados desconheço e em um fiquei, digamos, desapontado.
Diz o homem, respondendo à pergunta “cite um livro que frustrou suas melhores expectativas”, algo desconcertante. Detona:
”O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Aquele sujeito discursando para aquele peixe... humm...”
Uai, diriam os mineiros, qual o problema de falar cu´o peixe, sô? Apesar da terrível frustração dos de lá, os de Minas, não terem um naco de terra dê na água salgada, certamente não se incomodariam com um velho batendo uma caixinha com um peixe.
Nem é inverossímil, minha falecida avó Erna morreu xingando a Gestapo, 50 anos após o fim daquela experiência maluca, a guerra. E nem doida era, só velhinha.
Portanto nada de errado nesse papo do homem e seu peixe.
Wernecks e Hemingways à parte, a questão de homens e peixes é antiga, uma liason, afrescalhando, secular.
E sempre fascinou: lembro meninote minha mãe nos contando em sua variante criativa a história do “Fischer und seine Frau”, redação dos Grimm, do humilde pescador e a esposa gulosa, arrogante e sedenta de riquezas, com os desejos satisfeitos pelo mágico peixe o humilde pescador salvou.
Talvez Hermann Melville, em Moby Dick reescreva o conto-de-fadas (eu sei, eu sei, sem hífens...) para algo mais trágico, transformando a esposa do humilde pescador no capitão Ahab, sedento de vingança contra a baleia. E sem dúvida, nestas histórias de homens e peixes, Hemingway fez o que podia. E deu o melhor.
O velho de Hemingway em seu magistral livro somos nós todos, atrás de sonhos e desejos, somos as “mulheres dos pescadores”, gulosos. O seu peixe é a vítima, o fruto da nossa ganância exagerada, a questão humana, nos faz únicos no reino animal, pois temos isto exacerbado: o ódio, a ganância, a cobiça e o matar sem razão. O velho e a cobiça. A mulher do pescador. Talvez o grande Werneck não se encante com enormes peixes espada pescados por velhos ao largo de Cuba e seus diálogos, entretanto a humanidade, dentre ela os leitores, mingüantes (eu sei, sem trema, sem trema...), aclamou estas boas histórias de peixes como deliciosas.
A rigor até a pobre bíblia (e perdões pelas minúsculas) tem histórias, já menos críveis que as hemingwayanas, sobre homens e peixes.
Basta ler os casos do Pedro, o pescador, com Jesus, barcos, redes, peixes, milagres e por aí vai...
Gostamos de peixes e suas histórias, somos assim.