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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Ainda sobre Jaipur

Por Julia Bussius

No trem que percorre o trecho Delhi-Jaipur, os olhos não conseguem abandonar a paisagem que aparece na janela. Há duas marcas presentes todo o tempo na estrada: pessoas e lixo, muito lixo. A sujeira beira o tempo todo os campos floridos, tomados do amarelo da canola. E vemos que as pessoas vivem mesmo nessa lama toda, misturadas a esses restos. Vacas e búfalos magros pastam em meio a montes imundos, nos quais também brincam algumas crianças, muito novas. Logo surgem os primeiros camelos, puxando carroças no campo. Estamos no Rajastão.

Em meio aos trilhos, nas estações em que paramos pelo caminho, vemos famílias inteiras de cócoras, provavelmente vivendo nesse lugar. A miséria não tem pudor em se mostrar. É nos trilhos também que várias pessoas se agacham para fazer coco, sem qualquer cerimônia. Em Delhi, toda hora vemos homens mijando nas calçadas, bem à vontade, então parece que a prática é comum. E vamos constatando algumas coisas desse país tão ímpar: público e privado não são coisas distintas, não há separação entre essas instâncias. A cada momento isso se confirma mais.

A chegada à estação de Jaipur nos deixa com a cabeça atordoada. Quando levantamos para sair do trem, entra um batalhão de homens uniformizados para rapidamente retirar as malas de algum figurão político ou militar que viajava no nosso vagão. Eles quase nos derrubam, correndo para que o tal sujeito não ficasse um segundo a mais do que o necessário no meio do populacho. E logo chega a nossa vez de ser assediados: um enxame de taxistas e puxadores (isso mesmo, os pullers) de riquixás voam em cima de nós e oferecem passeios para todo lado, hotéis, lojas, restaurantes, isso e aquilo. Temos que apressar o passo e brigar muito com um deles para que nos leve até o hotel por um preço justo. Conseguimos, por fim.

Então, fomos em quatro pessoas – mas isso não é nada para os padrões locais – num riquixá rumo aos muros da cidade antiga. O trajeto de riquixá já é uma atração – provavelmente arriscada. E quando passamos pela primeira porta, vem o furacão. Cena de filme, Indianna Jones, aqueles mercados lotados de gente, macacos para todo lado, vacas deitadas com placidez na rua, búfalos para lá e para cá, vendas de tudo quanto é coisa, homens conversando longamente, sentados nos colchões de suas lojas, sem preocupar-se com possíveis clientes, feiras de legumes e frutas com todas as cores e cheiros, mulheres desfilando com toda sorte de saris e panos e pinturas de henna, anéis, pulseiras e tornozeleiras que trazem pequenos guizos sinalizando sua presença. Templos hindus com músicas altíssimas, frenéticas, atraem devotos que deixam seus sapatos na entrada e entram levando oferendas como côco seco e colares de flores naturais para os deuses. Mulheres muçulmanas cobrem as cabeças e parte do rosto com suas vestes negras, e pequenos detalhes em dourado, muito vivo. Viramos uma esquina, e encantadores de serpentes tocam sua espécie de flauta para que as najas saiam do cesto e eles ganhem mais alguns cobres dos turistas.

Continua...



Fotos: Julia Bussius, Luiza Bussius e Luis Barbieri.

Jaipur e seus palácios.

As pessoas se acomodam por onde possível, o público e o privado se mesclam de maneira menos usual.

Os riquixás ou Tuc-tucs, algo que falta por este Brasil. Práticos, baratos, ágeis e se movidos à alcool, um aporte ecológico imenso.

Os fortes; senhores marajás viviam com medo, pelo visto. Como aqui.

As tradicionais bonecas indianas.

E seus modelos...

Comentários (clique para comentar)

Hermógenes de Castro & Mello - 09/03/2009 (13:03)

Olá, perdões pelo atraso, somente vi hoje seu comentário. Quem escreve sobre a India é minha filha que lá está, em Gurgaon, próximo a Delhi. Jornalista e historiadora, ficará por lá nos próximos dois anos. Escrevendo regularmente para nosso saitezinho. Um prazer conhecê-la. Hermógenes.

Grace (sobrinha do Freddy) - 16/02/2009 (10:02)

Olá Hermógenes! Sou sobrinha do Freddy, que me passou seu link para matar a saudade da Índia e aprender mais sobre este país encantador. Estive no Rajastão durante janeiro de 2008 e parece que o tempo não passou! Ainda mais quando pessoas como você colocam fotos e palavras tão especiais que realmente nos levam de volta para lá, uma lar para mim. Obrigada por isso! Abraços, Grace Knoblauch

Daniel - 01/02/2009 (13:02)

Bem interessante o símbolo debaixo da janela da janela do carrinho na terceira foto. Serão nazistas ou serão budistas?

Hermó - 30/01/2009 (17:01)

Perdões, senhora. A vantagem do bilogue é esta. Não tem "enrolation'...

Julia - 30/01/2009 (14:01)

A primeira foto não é em Jaipur! Mas sim o túmulo Humayum aqui em Delhi... Ops! Vou mandar uma foto do Amber Fort.

Nelson - 30/01/2009 (13:01)

Gostei muito da matéria, aguardamos proximo capitulo..