O enigma da chegada
Por Julia Bussius, de Gurgaon, Índia
Após 11 horas de vôo até Zurique, hora e meia no aeroporto e mais 8 horas no avião até Nova Delhi, chegamos quase por volta de uma hora da manhã no aeroporto Indira Gandhi, sob densa neblina e um mar de pessoas.
Todas as cores de saris, turbantes e tonalidades diferentes de peles. Na saída das bagagens, uma placa grande nos recebia com Namastê, o cumprimento geral indiano.
Chegamos na Índia, e nem foi tão longe quanto imaginava.
Meu marido estava a postos na porta do aeroporto - ele e um mar de pessoas; e guardas com metralhadoras enormes penduradas nas costas. Parece que a segurança dos lugares ficou mais tensa, após o atentado de Bombaim-Mumbai.
Mas chegamos em paz, colocamos nossas quatro malas no fundo do carro e seguimos para Gurgaon, cidade ao sul de Delhi onde fica a nossa morada indiana. Pelo caminho, muitas construções, a cidade é um grande canteiro de obras. E muitos riquixás, aquelas motos com cabine para transportar passageiros - o taxi mais comum por aqui, ao que parece.
O trânsito, mesmo de madrugada, é completamente caótico. Meu companheiro já se adaptou ao free-style de dirigir, claro. Gurgaon é o lugar dos novos escritórios, de muitos shoppings e condomínios de casas ou apartamentos ( espécie de Berrini paulista, misturada com Alphaville de Barueri.)
Sim, realmente não é o lugar mais bonito do mundo, sou sincera.
Chegamos ao nosso condomínio. Na portaria, pelo menos cinco sujeitos para guardar a segurança do prédio. Um deles vem com bastão que traz espelho na ponta, e coloca embaixo do carro, para ver se não trazemos nenhuma bomba escondida.
Parece que a grande paranóia da classe média indiana é o terrorismo. A garagem enorme abriga todos os carros dos muitos moradores do condomínio. Lá ficam os guardas da garagem, que todos as noites verificam todos os carros para ver se estão com os vidros fechados e nenhuma luz acesa. Mão de obra abundante permite estes curiosos luxos.
O nosso prédio parece meio fantasma, mas pela porta em frente à nossa percebe-se que temos vizinhos: é quase um altar, com uma escultura de ganesh de um lado e uma prateleira com outros objetos religiosos do outro. Na parte superior do batente, mais alguns apetrechos. O marido já decorou nossa porta com um penduricalho trazido de Gujarat.
O apartamento é incrível, não falta espaço; uma cozinha maravilhosa e generosa varanda. Já temos plantas por todo lado. Acho que vamos passar muito bem aqui.
Dormimos depois das quatro da manhã, horário local, e (pelo menos eu) só consegui levantar às quatro da tarde do dia seguinte. Luiza, minha irmã, estava ansiosa para conhecer um pouco de Delhi durante o dia.
Saimos de casa ainda com luz, mas o trânsito lento só permitiu chegar a Delhi (normalmente a 40 minutos de Gurgaon) quando já escuro. No caminho, paramos num mercado de flores, que parecia ter saído de outro século. Várias barraquinhas vendiam aqueles colares feitos de flores que aparenta servir como oferenda religiosa ou de boas-vindas por aqui.
A próxima parada foi o Khan Market, espécie de centro comercial, ocupando parte de um quarteirão, com lojas e restaurantes de todos os tipos. Da vendinha mais simples até lojas chiques de decoração e marcas enlatadas do mundo ocidental. No caminho, mulheres famintas com seus bebês a tiracolo, imploram por comida, batendo incessantemente nos vidros do carro. Elas têm um sorriso fascinante, com dentes brancos perfeitos, que não foram corrompidos pela miséria em que vivem.
Fomos comer no Bukhara, um dos bons indianos de Delhi. Fica dentro de um hotel, de rede americana, o que sugere ser um costume. Na entrada do prédio, os carros são revistados por seguranças armados e passamos por detetores de metal. Lá comemos um saborosíssimo carneiro, com dahl, certo ensopado de lentilhas, além de iogurte e nan, o pão indiano. Somente come-se com as mãos, não há talheres no restaurante. E tudo muito, extremamente, apimentado.
Suamos enquanto comíamos e pedimos um mango lassi para amenizar o ardor, o iogurte mais ralo, batido com manga.
Suar para comer, somos assim, parodiando nosso hospedeiro eletrônico Hermógenes.
Julia Teixeira Bussius, jornalista pela PUC e historiadora pela USP, mestranda em Literatura, USP, prepara-se para período de dois anos na Índia, uma experiência que inicia com o que denomina O enigma da chegada.
Mais artigos de Julia Bussius em seu blog, acessando aqui shivaemgurgaon.wordpress.com