A Ópera do Mendigo
Por Ildásio Tavares
Naquela noite, eu fiquei completamente azuretado. Eu ainda era jovem, pouco mais de 30 anos, e nunca tinha visto uma constelação com tantas estrelas de primeira grandeza reunidas. Era na Cantina do Faleiro, nos anos 1970 o único lugar decente na praça para um rango de fim de madrugada, tendo como piéce de resistance uma saborosíssima carne do sol com pirão de leite.
A cerveja sempre estupidamente gelada. Da nossa turma, fomos os últimos a chegar. A casa reluzia com Nei Matogrosso, Caetano e Paulinho da Viola. Tínhamos vindo da Galeria 13, primeiro bar de entendidos na Bahia, onde degustamos várias rodadas de aperitivos e tira-gostos. Nelson Pereira dos Santos, hoje merecidamente um imortal da Academia Brasileira de Letras, estava na Bahia filmando o fantástico romance Tenda dos Milagres do nosso saudoso pai, Jorge Amado. O filme era ambientado no Velho Pelourinho e Nelson havia escolhido a Galeria 13 como QG, devido a seu fácil acesso e à carismática figura de Deraldo.
Fazendo o papel de Pedro Archanjo jovem, o versátil Jards Macalé que estava destinado a começar as tomadas de um outro filme esta noite, com Ana Miranda, sua namorada e o infatigável ficcionista João Ubaldo Ribeiro, triângulo que começara com um côco que fez para a musa do cinema novo, cantando e batendo o pé. O desenlace só se daria numa outra noite quando a ficção derrotou a música popular.
Nesta noite, ao meu lado Marieta Severo, meu colega e amigo Roni Berbert de Castro, ao lado do amigo Chico Buarque que tinha vindo à Bahia para o lançamento do filme Crueldade Mortal de Luis Paulino, com sua esposa e Jofre Soares. Foi justamenter após este lançamento, no cine Excelsior, que resolvemos ir para a Galeria 13.
Até aí já são três filmes.
Tudo isso tinha sido precedido por uma novela, Ewald Hackler, príncipe encantado que viera da Alemanha em busca de uma princesa baiana. Aqui se casara com ela e se fixara. Eu tinha sido o primeiro a conhecê-lo, porque sua noiva Conceição Paranhos me destacou para fazer sala a ele, porque eu falo alemão. O que foi uma tarefa muito prazerosa, Ewald além de homem entranhado no teatro, cenógrafo, dramaturgo, diretor, também é músico; e me entretinha com as escalas cromáticas de Bach ao piano.
Um erudito, também é pintor de mão cheia. Algum tempo depois que eu voltara do exílio, ficamos vizinhos e eu sempre passava em sua casa. Dei-lhe até dois cachorros para a casa imensa.
Nessa época, Ewald me falou de um projeto de releitura da Ópera do Mendigo de John Gay que tinha inspirado a Die drei Pfennig Oper de Brecht. Ele tinha escrito a Chico Buarque, tinha-lhe mandado fotos do cenário, da montagem na Alemanha, sem ter resposta alguma. Me propôs adaptar a montagem alemã.
Quando Chico esteve na Bahia, para o filme, tínhamos terminado o projeto e chamei Hackler para falar com Chico, que balançou a cabeça. Já estava terminando os diálogos da versão dele, que começara quando recebeu a carta de Hackler. Alegamos uma linguagem nova, mas Chico nem quis ver.
Eu fui ao Rio para meu doutorado e botei o texto na mão de Carlos Lyra. Ele me telefonou no outro dia e disse, “Agora nem música de Beethoven com libreto de Shakespeare. Veja no JB.”
Lá estava anunciada a Ópera do Malandro.
Um a zero.
Hermógenes de Castro & Mello - 13/01/2009 (16:01)
1)Die drei Groschen Oper, pelo que li por aqui. Um Groschen me parece era a denominação da moeda de 10(dez) Pfennig, assim pelo menos era em 1974, quando por lá vivia. Com o Euro não existem mais. Agora é tudo cents. 2) Lamento pelo zê onde era ésse. Coisas complexas em nosso inculta e bela, onde uma ou a outra nos confundem, seja Ilsa ou Ilza, Isabel ou Izabel... 3) Quanto ao texto, vou ajustar. 4) Engenheiro, dos mecânicos, sim. E atuante, há bons 30 anos. Ninguém é perfeito. Para longa vergonha de uns tantos, que prefeririam alguma muito querida ter se ligado a boa família de soteropolitanos, vá lá, ipiauenses, de sobrenome da gema, e advogado, talvez médico, nesta ordem. Mas paulista, mécanico (como frisariam), filho de imigrantes, foi demais para o caminhãozinho..."Ô menina que deu azar..." ouvi certa vez. 5) Quanto às coisas humanas e suas variantes, incluindo-se as escritas, passam pela engenharia, metalurgia, patifaria e alguma "auto-ajuda"; com leitura e discretos empurrões de mestre Euclides,... Sem me comparar, mas Saramago de profissão é serralheiro mecânico, portanto há luz no horizonte.
Ildásio Tavares - 13/01/2009 (16:01)
Thomas ou não thomas? Quantas thomas? Viele Dank. Es ist sehr nett von dir. Você, Thomas, fez uma decupagem maravilhosa da crônica. É costume aqui na Bahia dar menos espaço à estrela, porque já brilha demais. No jornal, fica espremidinha debaixo de uma coluna social. Você soltou mais o texto; e fez uma montagem estilística. Umas pulgas na juba do leão. . Primeiro, meu nome é com ésse. Por razões numerológicas. Segundo, lá embaixo, no parágrafo que começa com Tudo...em princesa ...não tem ponto, é... princesa, aqui se fixara...logo depois está cenógrado por cenógrafo. Nur dieses. Se não me engano, você até corrigiu um erro gerrmânico meu, que escrevi Opera e não Oper. Me esclareça, Pfennig oder Groschen oder beide? Tenho a primeira na memória. Vá desculpando o aluguel. . Sim, Jairo, nosso amigo ilustre, que vou mit ihm Morgen sprechen, (pode corrigir o alemão) me disse que vossência é um engenheiro. Donde vem vossa sabença em humanities? Um abração, Ildásio.
Hermógenes de Castro & Mello - 13/01/2009 (16:01)
O amigo tem mágoas, talvez seu conterrâneo João Ubaldo não tenha tanta falta de razão. Agredir Mr Loolah faz parte do cotidiano nacional, os futuros canonizados têm disto. Já o Chico Buarque, bem, este já foi canonizado pela opinião pública e mesmo peidando, será algo interpretado como lindo verso. Portanto, como dizia J. Milton; "You can put your horse to graze on another fancy field, but the horse is still the same."
Whatever that means... mas achei curioso. E nem de J. Milton é...
Ildásio Tavares - 13/01/2009 (16:01)
Herzlicher Freund: ich habe etwas vergessen. Brecht baseou-se na Beggar's Opera de John Gay, Século XVII ou XVIII (sou ruim de datas). Aí veio um grupo alemão do pós-guerra, (do qual Ewald Hackler fez parte) e fundiu Gay e Brecht numa terceira coisa. Quando Ewald me propôs a adaptação, foi da terceira margem da ópera que ganhou uma quarta nossa. Com o nome de Ópera do Mendigos. Eu perdi esse texto em sucessivos casamentos (antes tivesse perdido os próprios), mas estou certo de que Ewald o tem. Desde esta rasteira de carioca em alemão, mit capoeirista baiano, Ewald sepultou este texto, que é um primor de versificação, porque eu estava no auge destes poderes e se passa na Bahia do século XIX. Chico das Buarcas não viu direito o tratamento alemão do século XX, (que tem uma estrutura inovadora) mas teve todo roteiro de Gay a Brecht e indicações da versão alemã dados pela boa fé teutônica, acompanhando tudo com croquis do cenário, feito por Hackler, da montagem novecentista na Alemanha. Chico deitou, rolou e cagou. Quando desembarquei no Rio em 1978, para fazer meu doutorado, a história tinha chegado aos ouvidos de Moacyr Félix, que então dirigia a Revista Encontros com a Civilização Brasileira onde eu colaborava. Acho que foi Carlinhos Lyra que bateu para ele. Moacyr queria que eu contasse a história na revista, mas tirei o meu da reta. Não podia começar um doutorado pau-de-arara como persona non grata;33 anos depois, meu compadre João Ubaldo ainda me recriminou, dizendo que "estamos velhos demais para fazer inimigos". Enquanto isso, ele esculhamba com o Presidente da República. É perigoso atacar o inatacável. Engolir sapo é mais ainda. Sorry for the little pumpkins, seu nouveau ami mas parente velho, Ildásio.