Steinbeck e Capa
A edição brasileira de Um Diário Russo, de John Steinbeck e Robert Capa chamaria de formidável passeio ao passado, que leio tardiamente, como sempre. Livro para mergulhar e literalmente deglutir.
De 1948 a edição original, a brasileira é cuidadosa tradução do Claudio Marcondes desta curiosa obra de Steinbeck com as interessantes fotos de Capa, talvez o maior retratista da guerra moderna, com primor insuperável (Cosacnaify, 2003). Porém impressas em amarelado papel tipo pólen perderam parte de seu vigor, entretanto permeadas entre o texto fizeram o agradável ilustrar.
A revisão mais aguçada faria a alegria do grande Steinbeck, os diabretes pululam pelo texto traduzido. O trabalho de capa desta edição brasileira, com mil perdões, não fez jus ao grande Capa. Uma foto desta viagem do mestre seria mais adequada que este pouco criativo trabalho gráfico sobre uma foto.
A inusitada viagem de Steinbeck como repórter e Capa fotógrafo à União Soviética pós-guerra, verificando parte da destruição em Kiev e Stalingrado e a opulência na Geórgia não atingida, nos traz as lembranças curiosas daquele sistema e sua posterior decadência. É o princípio da Guerra Fria, a neurose de Stalin com a competição entre sistemas e o medo dos americanos da opressão comunista com o domínio pela "classe trabalhadora", a findar-se a "livre iniciativa".
Recomendo, um belo livro.
Interessado no John Steinbeck sempre fui, desde jovem; e o nobelizado escritor se enquadra em uma categoria específica de grandes literatos, cujas características poder-se-iam traduzir por: rotina religiosa na prática da escrita, viagem, muito álcool, várias esposas, certo desinteresse pelos filhos, redundantes afirmações que não gostam de seus livros, sempre irônicos e desmerecendo as premiações.
Steinbeck ao receber o Nobel em 1962 dizia que se sentia como a rainha da exposição anual de alfaces em algum canto da Califórnia.
Rústicos, mas com béquigraunde intelectualóide, estes gringos homens-escritores (Hemingway, Steinbeck, Faulkner e o excêntrico poeta Ezra Pound) terminam o denominado, penso, ciclo da prosa vigorosa e proto-heróica, com toques socializantes, do século XX. Nos demais países, diria que havia se encerrado o ciclo, inclusive por aqui, já no século XIX. Com Karl May na Alemanha, José de Alencar por aqui, Vitor Hugo na França e talvez Joseph Conrad na Inglaterra. Na América os heróis escritores tiveram melhores tempos; e mais longos.
Porém, admita-se, imbatíveis suas obras, não esqueçam de ler ou reler O velho e o mar de Hemingway e As vinhas da ira de Steinbeck.
Vão me contestar, todavia arriscarei dizer que depois deles, lamento, nada de novo no horizonte da excelente leitura proto-heróico-irônica. E a quem disser "..mas tem o Gabriel Garcia Marques, o Heinrich Böll e o Roth", solicitarei tomar no... . Com todo respeito, é claro.
Sou assim.