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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Ocupados

Sempre me impressionei, e permaneço impressionável, admito, com pessoas ocupadas. Sinto-as importantíssimas; tenho alguma inveja, pois sou o que se denominaria nada ocupado. Faço minhas coisas, mas tenho lá tempos de ócio (por isso escrevo estas asneiras, por exemplo). Todos que entram na minha sala atendo, sem delongas. Não há problemas de horários ou, como dizem as moçoilas dos consultórios chiques, encavalamentos. Termo um tanto cru, parecendo coisa de garanhões e éguas copulando.

Se alguém quiser me deixar, como dizem os anglofônicos, "desconfortável", basta insinuar que é pessoa muito ocupada. Afasto-me imediatamente, para que minha presença não crie embaraços ao livre correr de seus afazeres. Coisa da infância, quando sempre a mãe alertava o pai não poder ser incomodado, estava sempre muito, mas muito, "ocupado". Até dormindo, era homem muito atarefado, para a protetora esposa.

Certa criatura, vizinha, próxima nossa naqueles tempos, revirava os olhos quando nós, na expectativa de sua atenção, requisitávamos sua rara presença. Os esbugalhados globos girando em suas órbitas diziam sem palavras: será que não percebem o quão (este a com til pode-se alongar ad nauseum para, digamos, sonorizar melhor.) ocupadésima estou? Nem era necessário dizer com o quê, de tão enfática. Recolhíamos o rabo; envergonhados.

Um amigo, teste maldoso meu, corretor, era jocoso verificar-se o imediato, como raio, raciocínio a desvencilhar-se de qualquer tipo de convite, e detonar triunfante, como cheque! em partida de xadrez, que "seria dia de lavar o cachorro e estaria muito ocupado, portanto nem tente". Qualquer convite era rechaçado, com brilhantismo; e um olhar de desdém a deixar claro não poder.

Enfim: muito ocupado. Respeite-se.

Vejo por aqui alguns chefes de seção a sinalizarem para quem atendeu ligação evitável, formar os lábios em ós e us, a silenciosamente transmitir em sussurro "para dizer que está muito ocupado". Uma forma de escapar de assédios, reclamações, esposas chatas, cobranças e toda sorte de, perdões pelo termo, pêlopubicações. Um neologismo, não considerar, por gentileza.

O outro ocupado é o ocupado chato. Que se diz ocupado, mas a ocupá-lo também. O eterno agendador de reuniões e encontros, importantes segundo o conclamante. E , na hora em que se concorda com o meeting liga pouco antes para informar não poder, estar indo a outra reunião, a envolver "grandes somas" e portanto: muito mais importante. Conheço um ou dois destes; faz 4 ou 5 anos que dizem por aqui aparecer, pois precisam discutir algo importante. Nem ligo mais; sempre disponível, declaro poderem vir, quando quiserem.

Não vêm; a telefonista até ri, chamando-os de "avisadores de última hora". Uma forma elegante de colocar-me em meu devido lugar, informando que o outro encontro é de fato de peso. "Consigo é só papinho."

Mas convive-se, faz parte do jogo humano. O tempo, e a decorrente ocupação, para algumas pessoas é fator de controle. Precisam dobrá-lo, em seu incessante fluir. Estancá-lo, usurpá-lo, mostrar ser seu e apenas seu. Os demais que se moldem e acomodem, pois não é propriedade pública o tiquetaquear dos segundos a correr. (O que de fato é, mas para alguns inadmissivelmente não.)

Algum triunfo nisto, percebo. Lembro dos meus moleques preparando-se para festa, esticando ao máximo a saída, pois o cool, muito cool seria chegar bem tarde. Quase já no fim. O prestígio do médico ou advogado que nunca tem horários certos, sempre atrasadíssimo, por cheio de compromissos, quase incontrolável. "'Ah, doutor é difícil de ´ter´ horário". Amigos que aos domingos almoçam por volta das seis da tarde. Raivosos outros, a detonar impropérios coléricos em aeroportos, pela impossibilidade de embarcar pelo atraso na apresentação ou garbosos inconformados, com a proibição de entrar em meio a conferência ou peça de teatro.

"Bending the time is the dream. The reality is the ever ticking clock." *

Bernard Shaw

Somos assim.


* Dobrar o tempo é o sonho, a realidade é o relógio em seu tiquetaquear eterno.

Ocupado? Muito, sempre, não aborreça...

Comentários (clique para comentar)

regina junqueira - 10/10/2012 (01:10)

Gostei demais, Thomas. Senti um dedo apontando meu nariz. O que ameniza a acusação que me serve de carapuça é que uso essa desculpa para mim mesma e não para ser cool. O que me falta mesmo é disciplina (ou o tal do foco). Tendo a responsabilizar o clima tropical pelo macunaimismo que avacalhou com aquela minha força de vontade nipônica. Não é desculpa. É mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa. Abraço, Thomas Regina