Ora et labora
Uma formatura de jovens é curioso evento, não pelo desenrolar em si, já previsível a seqüência, principalmente em escola hiper-tradicional paulistana. Penso das mais, ao uniforme equivaler-se às cores do partido, que, salvo engano, tem entre os pais dos alunos a melhor aceitação.
Gloria Ramphastus!
Observei a tudo com algumas relembranças, tendo passado pelo mesmo processo em 1970. Na época chamava-se ginasial, agora mudam os nomes para sofisticações como ensino fundamental dois, americanices e gráficas forçando a barra.
Sempre desconfiei de horários de verão e reformas gráficas; e gramaticais, até perceber há interesses comerciais imensos por trás destes troços tão sem significado.
Já imaginaram quantas gramáticas novas devem ser impressas? E quanto computadores e sistemas das áreas oficiais precisam ter seus horários ajustados? Empresas a fazê-lo? Hipocrisia, já é parte.
Assim como os discursos, do que não escaparam nem os jovens a falar. Deu alguma pena.
Incisivos os lentes na questão de responsabilidade, vida adulta, estudo, seriedade, pesquisa, distância de Orkut(!), amor, compromisso, horários e por aí vai.
Só inclui-se o Orkut, a novidade, 38 anos depois. Ninguém lembrou da alegria de viver, o salutar descompromisso do jovem, alguma irreverência contra o autoritarismo reinante. Nem os jovens, tão acuados. Falou-se de individualismo nocivo, de idéias e ideais. Da “grande idéia” foi a criação do ser máximo, a quem a inteira instituição, pais e amigos, mestres e funcionários prestam seu imenso respeito, na missa a antecipar.
Com cruzes, atos comungantes em pão e vinho, Ave!, e lembrados incisivamente pelo senhor padre sermos todos, todos, sempre muito e constantemente culpados. A exigir penitência, até de bebês em colos. Cantando hinos antológicos com temas vazios e obedecer, com repressores olhares para quem não o faz, o incessante senta-levanta-canta dos ritos.
Ora et labora! O próprio culto é um trabalho.
A falar-se da grande nação futura, disto ouço há bons 45 anos; nós, o grande país do futuro.
E muita, muita, muita, e mais outro tanto, responsabilidade. Com culpa, doses imensas dela, sem dosagem, de caminhão basculante.
Neste instante de pensamentos, observei o padre a comandar o evento. Francofônico me pareceu, sotaque carregado. Queimado de sol, após a missa muito chique, metido em finas calças jeans, sacco preto, camisa preta aberta até o segundo botão, uma discreta cruzeta na lapela, cabelos bem penteados. Brincando com os adolescentes, passando-lhes as mãos pelos cabelos, com olhar distante. Distinto (e tão igual) dos tristonhos sujeitos pálidos, com batinas até os pés, morrendo de calor em dias de verão, com suas sombrinhas pretas, arrastando-se ladeira acima para as aulas nos colégios severos da distante Santana, a castigar alunos irreverentes, cheios de culpa.
Estes jovens de então também carregados de muito Dominus nobiscus e culpas, culpas e culpas. A serem moldados à responsabilidade, fraternidade e penitência.
Muita culpa, somos assim.