As Quartas de Adelmo Oliveira
Ildásio Tavares
Toda quarta-feira, infatigavelmente, chuva ou sol, o poeta Adelmo Oliveira aparece em meus umbrais itapuânicos. Cumpre este ritual em razão de uma amizade, que já dura meio século, desde que fizemos vestibular para Direito juntos, numa companhia de alto nível, que vai de Glauber Rocha a Helena Ignez a João Ubaldo Ribeiro a Antônio Luiz Calmon Navarro Teixeira da Silva, mais conhecido como Chiquinho, às desmbargadoras Lucy Moreira e a saudosa Ruth Pondé, ao maestro Afrânio Lacerda, hoje regendo coral em Minas Gerais, ao eminente criminalista João de Melo Cruz; ao primeiro prefeito negro de Salvador, Babá Egbé do Ilê Iaomim Axé Iamassê, Terreiro do Gantois,orador de uma turma de gênios e atual vice-prefeito do Salvador, Edvaldo Brito, que não me falhe a memória quanto aos outros notáveis desta notável turma, que tem até advogados.
Eu e Adelmo conspiramos e despachamos em torno da eterna pauta da poesia. Comentamos livros, textos, eventos, jamais pessoas. A vida dos outros não nos interessa. Dos poetas, queremos saber apenas dos textos. Estes, dissecamos impiedosamente. Além de Maria da Conceição Paranhos, analista vertical e erudita do texto poético, só confio, na Bahia, no julgamento de Adelmo Oliveira. Se lhe mostro um poema e ele refuga em alguma coisa, eu penso duas vezes até manter aquele trecho; aquela palavra e geralmente acabo mudando.
Apesar de um revolucionário, egresso das fileiras do histórico MDB, fazendo dobradinha com o saudoso Chico Pinto, perseguido e torturado pela Ditadura Militar, Adelmo rasga um viés apolíneo; aproxima-se mais da dicção clássica; enquanto eu tenho meus arroubos vanguardistas, de vez em quando. Se bem que estamos, ao fim e ao cabo, muito próximos no que tange ao rigor formal, o ostinato rigore de que falava Dante. Esculhambação não é poesia. É esculhambação.
Pena que tem muita gente no Brasil pensando ao contrário. Pena.
Às vezes digo, brincando, a Adelmo que ele é meu provador. Nas cortes do passado, existia o provador que era aquele nobre que experimentava a comida e a bebida, antes do rei a degustar para evitar que o monarca fosse envenenado por essa via. Por este caminho, gosto de dar os livros que recebo a Adelmo para que os experimente. Má poesia é o pior veneno, mas Adelmo, um leitor infatigável tem um grande senso de tolerância e paciência que eu, confesso, não tenho.
Tenho vontade de largar um livro logo, se o primeiro poema não presta. Mas aí, por desencargo de consciência, vou adiante. Todavia, dificilmente passo do terceiro atentado contra a Mãe Poesia.
Adelmo sempre me dá o veredito preciso, equilibrado, sem se deixar levar pelo nome ou fama do poeta. Como eu, ele é um julgador de textos que, afinal, é a única coisa que temos a julgar. Quem conheceu Homero? Que tomava Camões no café da manhã? E Shakespeare, qual era o número de seu sapato? O escritor é um texto literário. A pessoa, um texto psicanalítico que pode até influenciar o outro conteudisticamente. É engano pensar que a loucura faz poesia. O que faz poesia é a linguagem.