A vitória da mediocridade
Na contra-mão de todas as tendências e historicismos, sigo a proclamar, respeitosamente, queiram ou não, estarmos em tempos de largas vitórias da mediocridade. Associada à falta de brilho, do egoísmo visceral, esperteza, a maldade profunda e volúpia ignorante.
Assim caminhamos. Não nos atemos mais aos momentos de observação e audição com contemplação, a aprender e admirar. Seguimos pelo sem estilo, sem forma, sem conteúdo. Resignamos nossos pensamentos a compras, vendas massacrantes, prazer imediato e admiração pelo que parece belo. O outro a se danar. O humilde se exploda, com sua prole.
Leio em jornal de alguma relevância sobre encontro de proprietários de iates em Angra dos Reis, a comentarem que a festa é boa, pois só vai "gente fina", donos de barcos. Um soturno ex-jogador de futebol e sua companheira discorrerem na mesma ocasião sobre sua provável aquisição, discursando sobre os valores milionários como se fosse o Klimpergeld de Engels, as Almosen de Marx, valores ínfimos.
Da moça a matar pela mãos do amante-segurança ignorante o recém-milionário, o qual, imbecil pelos conceitos vigentes, ao invés de gastar com estilo o dinheiro ganho nesta aberração que são as loterias, ousou comprar casas para os 11 irmãos humildes; e ao ser intransigente com a filha voluptuosa na gastança e os descomedidos desejos da companheira, pagou caro, deram cabo do coitado.
O assaltante dirigir-se ao assaltado usando termos como otário, panaca, imbecil, bobão, trouxa e por aí vai. Humilha a vítima, falsamente colocando-se como dominador da situação, alavancado pela cocaína e o álcool. Terminado o ato, e o efeito dos troços, cai em si, a verificar o verdadeiro trouxa. Só a repetição para esquecer. Esquiva-se à mediocridade, alertando a verdade de seus atos ser a questão social maior, os mandantes e líderes das elites a não resolverem. Com alguma razão, se não fosse o ato violento, nem sempre oriundo da pressão social.
O presidente da mais poderosa nação navegando em um mar de bullshit, o estrume bovino que sempre tão rapidamente vai à boca dos caubóis poderosos, apresenta-se como o pior de todos, já desqualificando o corrupto Nixon e o desinteressado Truman. Brilhantismo de um pedaço de carvão, o discurso se mostra contraponto fiel aos excessos passados nos clubes de campo, onde em algum momento de contemplação no vomitorium, diz ver o imaginado todo poderoso a guiá-lo para objetivos maiores. Ele a permanecer o menor. De todos. 25.000 iraquianos mortos, uma medalha de sangue no peito do desinteligente.
A união européia a procurar como, na forma de bandoleiros medievais, expulsar com mão de ferro as multidões dos miseráveis provenientes de suas ex-colônias. Ou criando-lhes guetos infectados e escuros, mal aceitando-os como cidadãos de terceira categoria.
No extremo oriente a aberração comunisto-capitalista de uma China gigante monta a maior poupança pública da história deste planeta, sem quaisquer repasses ao bilhão daqueles que talvez um dia tenham acreditado no impossível sonho de Mao e hoje almejam pelo automóvel, o sanduíche gringo e filmes de Hollywood.
Por aqui permanecemos inativos, desinteressados e seguidores da doutrina dos tempos escuros: ganhar muito, fazer pouco e os outros que se danem. As massas entregam-se aos sagazes populistas, interessados na valiosa eternização de seus dúbios feitos e efeitos.
Sumiram as lideranças com brilho, com alguma história, mundo afora. Após Adenauer alguém cita um chanceler de destaque na Alemanha ressurgente? O que houve após Churchill? De Gaulle seria o último com algum discutível conteúdo? Qual presidente americano após Roosevelt nos deixou ouvindo suas palavras com mais atenção? O que houve seguindo a Perón? Lembraremos de Getúlio ou de FHC no futuro distante? Aliado ao nefasto Pinochet, Allende é ainda recordado, mas lá vão 37 anos. Quem veio após?
A música, este espelho lúdico e leve de nossa habilidade e brilhantismo, segue o mesmo estranho caminho. Ninguém após Stravinsky e Villa Lobos, talvez um enjoado Phillip Glass. Os jovens de hoje ouvem os jovens de 30 anos atrás, os agora sexagenários Pink Floyd e Beatles já que entre as atuais bandas nada para parar e ouvir. Ouve-se andando, sem interesse. Aguça-se o espírito quando vem a batida dos anos 60, nossa música popular a fixar-se em Tom Jobim, mas desinteressar-se pelos novos, cantando o velho Buarque, vivo porém sem novidades.
Épocas escuras, egoístas, humilhantes. Uma Idade Média cibernética, onde a cobiça dos poderosos anônimos dita as regras. Tempos como onde Nicoló Machiavelli, um destaque, aconselharia os príncipes a praticar a política em seu benefício. Maldoso, porém brilhante.
Hoje, nem um Machiavelli há. Príncipes medíocres porém à vontade.
Por que agora somos assim?