Foto do Hermógenes

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

A estância nos confins da Terra

A Patagônia se inicia ao sul do Rio Negro e segue até o cabo Hornos, onde o vento faz a curva do Pacífico ao Atlântico de forma um tanto irregular, muitas vezes violentíssima. Aos navegadores os 40 bramantes e mais ao sul o cabo Horn, como o chamam os "anglofônicos", são a essência daquilo a arte de movimentar-se em barcos requer a enfrentar, para dizerem-se completos homens do mar.

Tanto isto pela parte náutica. Mas impressionei-me um pouco mais com o que poder-se-ia chamar a agricultura e pecuária extrema neste planeta. As estâncias nos confins da Terra, na Patagônia.

Na província argentina de Santa Cruz, próxima à cidade de El Calafate, homenagem a arbustos com pequenos frutos que lá freqüentes, visitamos uma pequena fazenda, para conhecer esta agricultura extrema. Muitos quilômetros ao sul da opulenta e rica região de Buenos Aires, modestos descendentes de intrépidos aventureiros mantém até hoje a luta pela sobrevivência de seus rebanhos, mormente carneiros, cabras lanudas e gado Hereford, que por lá tão bem se adaptou.

Com suas peculiaridades.

Uma pequena propriedade naquela região é área de aproximadamente 2.000 hectares. Na qual nos informam os estancieiros, criam em torno de 800 ovelhas e 300 bois, algumas cabras e cavalos adaptados. Uma combinação de potros selvagens conhecidos como criollos descendentes dos primeiros animais que espanhóis por lá e nos pampas abandonaram; e pesados animais alemães da raça Friesland, os famosos "cavalos de cervejaria". Os carneiros vieram da Escócia, primeiramente introduzidos por um senhor de nome Josef Percival Masters. Em um desbravamento por volta de 1914, estabeleceu a fazenda Cristina com 24.000 hectares de área original, em cujos limites criou-se um máximo de 22.000 carneiros em suas melhores épocas.

Em 1937 boa parte da área foi incorporada ao parque nacional das geleiras andinas Perito Moreno, mas a introdução destes animais razoavelmente resistentes ao frio extremo, às péssimas pastagens e predadores como raposas e pumas, tornou aquela região durante algum tempo um lugar economicamente adequando, sem opulências.

Até os dias de hoje, com alguma ajuda do turismo crescente e o espetáculo das geleiras, as propriedades se mantém. Raramente há divisões internas, currais maiores ou instalações de sofisticação. Trabalha-se com o mínimo, contabilizando até 15% de perdas do estoque de animais durante a temporada de cria, pela intempérie com seus 25 a 35 graus negativos no inverno austral; e os predadores. Bois, carneiros, cavalos e cabras segregam-se naturalmente em uma imensa pastagem coletiva, onde algumas espécies de gramíneas européias mostraram-se superiores às locais e resistem. Assim como coelhos trazidos pelos europeus, que em retorno à selvageria tornaram-se até um tanto excessivos.

Nos conta o estancieiro neto de uruguaios, que por lá se refugiaram faz muitos anos pelas crises fundiárias no país de origem, para pequenas propriedades haver a necessidade de trabalho adicional na cidade, o que se resolveu com uma modesta fábrica de chocolates para os turistas. E de apelo ao governo, que assim os atendeu, por mais terras, repassando-lhe outros 5.000 hectares sem ônus. De fato não há escassez de pradarias por lá, a imensidão é apreciável.

Nosso guia cavaleiro, o jovem Lucas, é da região e de adaptação incrível, a cavalgar como talvez os nativos patagões o faziam, com cavalos surrupiados aos espanhóis: sem estribos, sobre uma manta de pelo de carneiro. Mora em um pequeno estábulo com os animais selecionados para a lida diária, que dormem protegidos do constante vento, sem calefação, a reclamar apenas do inconveniente congelamento da água de uso pessoal durante a noite, nos invernos mais, digamos, rústicos. Seus trajes: um surrado casaco de couro, bombachas gaúchas, achei-as um tanto finas, e umas curiosas sapatilhas leves, quase de balé.

Conhecida pequena parte da propriedade, em um vale absolutamente plano de ditos 2.000 hectares, voltamos à sede para conhecer tantinho da arquitetura rural da região, dos sistemas de bombeamento de água e o uso de geradores (praticamente não há eletrificação rural) diesel recuperados, com média de 60 anos de idade, em perfeitas condições.

Homens felizes me pareceu, isolados do estresse civilizatório. Não devem trocar aquele mundo tão ao sul por nada.

Nem eu o faria.

Somos assim.



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Em sua varanda envidraçada, o estancieiro explica ao visitante Hermógenes como é a lida diária por aquelas bandas. O churrasco de carneiro é delicioso, a acompanhar a conversa.

A amplidão das propriedades às margens do Lago Argentino é impressionante.

Alguns arbustos florescem na primavera austral, como estes bem comuns conhecidos como Notros, em seu fulgor rúbio.

Ao fundo os Andes e as geleiras, a formarem o lago muito piscoso, margeado pelas terras férteis e planas.

Lucas, o cavaleiro guia, em sua simplicidade e destreza no manejo dos robustos cavalos criollos, sem certeza mistura entre animais pampa e friesländer, adaptados ao frio extremo.

Hermógenes e D., em interessante incursão àquelas plagas tão gélidas e distantes, entretanto tão vivas e poderosas.

O abandono faz parte da forma de sobrevivência, motores grandes e combustíveis caros não têm mais futuro, nem por lá. A F-150 aguarda seu fim nas intempéries.

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Hermó - 10/12/2008 (11:12)

CALEFAÇÃO (Brasil, Houaiss) Rubrica: física térmica. Fenômeno que consiste no aparecimento de uma camada ou colchão de vapor entre um líquido e uma superfície quando esta se encontra fortemente aquecida. 2 Sistema de aquecimento destinado a ambientes fechados.

- 10/12/2008 (10:12)

sem calefação calefacção=Heizung, Erhitzung