Passeio ao fim-do-mundo
Criança me fascinava com antípodas: tropicais florestas e mares do sul contra gelos glaciares, árticos e antárticos. Aos dez anos li absolutamente absorto o diário do capitão Robert Falcon Scott, o segundo a chegar ao pólo sul, morrendo de frio e decepção no retorno, a ter encontrado no dito local uma bandeira encravada; da Noruega, fincada por Roald Amundsen. Mais rápido e disposto, deixou o inglês no chinelo. Porém o britânico com seu diário encontrado meses depois, junto aos corpos congelados, comoveu o planeta leitor. Livro excepcional!
Já o texto do concorrente norueguês é piegas e monótono, perdendo-se em detalhes como da índole dos cães siberianos puxadores dos trenós, que os levaram ao pólo.
Hoje, maduro, me encanta a transição destas regiões e suas imensidões vazias. Gelo, frio e terra sem fim. Sibéria, Alasca, Nova Zelândia e a mais misteriosa e fascinante: Patagônia. Da qual pouco se fala, nós latino-americanos nada sabemos e pouco nos interessamos.
Todavia sem a coragem de ir, sempre desculpando-me com outras questões. Entretanto, acho, casamos por estes motivos; minha companheira enfiou-nos em um Aerolíneas Argentinas e lá fomos nós, para meu primeiro contato com a gélida região.
Indescritível, a beleza do cenário. A amplidão, os vazios imensos, a grata escassez de seres humanos (sem ofensas aqui, sou tantinho antropofóbico como todo bom morador de megalópolis), as imensas geleiras, os ventos cortantes escalando úmidos a crua serra andina, fazendo nevar incessantemente até em nosso verão austral.
As leitosas azuladas águas dos lagos da região, límpidas, os imensos blocos de gelo despencados boiando à frente do vento, os traços duros dos tehualpes sobrados, cujas mães e pais eram caçados e mortos por contratados dos estancieiros criadores de ovelhas, pagando-se por par de orelhas. Os quero-queros espantando os invasores no vento constantes, os ximangos e carcarás flutuando parados no ar. E até os imensos abutres andinos, condores e seus 2 metros de envergadura rodando isoladas térmicas e ventos orográficos nos cerros.
Fazendas imensas, originárias de desbravadores escoceses do século XIX (praticamente ninguém por lá apareceu entre a chegada de Fernão de Magalhães e C.Darwin em 1832, este a dizer o lugar “desinteressante e monótono”), enfim o tal fim-do-mundo é simplesmente fabuloso.
Recomendo.
Com meus agradecimentos à Gabriela Figueiredo a partir de uma idéia inusitada de Julia Bussius, pela impecável organização do passeio. Inesquecível. E com o eterno carinho àquela que ilumina o caminho da minha vida com facho forte, até na desolada Patagônia, abdicando de amenidades como lojas e turistices, a enfrentar doloridos cálculos renais, geleiras, icebergs e vento gelado.
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