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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

A jovem Coréia

Vejo aqui um livro interessante, presenteado por uma cara e doce amiga: A jovem Coréia, Um almanaque sobre uma das imigrações mais recentes do Brasil, de Yoo Na Kim, SSUA Editora, 2008. Um compêndio apurado e bem ilustrado sobre a imigração coreana ao Brasil. São apenas 45 anos, desde o início desta movimentação, imigração jovem provavelmente menos enraizada e adaptada às questões locais.

Todavia somos país de imigrantes, desde Cabral nos apoderamos desta terra a “fazer a América”, como diziam os paupérrimos andorinhas, imigrantes italianos que com algum sucesso nas terras do Novo Mundo, voltavam a cada ano para sua Itália querida, como estes pássaros migratórios.

Sou filho de imigrantes, a rigor jamais aqui chegaram. Vieram por contrato com empresa empregadora na pátria e renovavam a cada ano, a ponto de perceberem em determinado instante os filhos brasileiros, a instituição “empregada doméstica”, a tolerância e facilitadora corrupção generalizada eram motivos inconscientes fortes para não voltarem. Entretanto o discurso lá-tudo-é-melhor permanecia, nos era incutido e certo distanciamento provocado.

”Hoje vou almoçar na casa de uns brasileiros...” a frase dos filhos de imigrantes, discriminando, a repetirem o discurso paternal. Sendo eles também filhos da terra.

Curiosamente a imigração coreana para cá a partir de 1963 foi ato de governo, coisa organizada, com embaixadores e cônsules envolvidos e aprovação de um tal Instituto Nacional de Imigração e Colonização.

Promovia-se por aqui a questão americana do século XIX , a trazer a turma para ocupar os vazios, vastos, brasileiros.

Porém ao contrário dos seus opressores japoneses, os coreanos, em sua maioria, preferiram a cidade, com suas pequenas indústrias de confecção. E nisto florescem, sucedendo aos judeus do Bom Retiro, aqui em São Paulo, transformando aquele antigo reduto fortemente judeu-polonês em Latin Korea. Porém, pouco integrados, apesar do peso até com deputados eleitos. Pouquíssimo contato com os “nativos”, mesmo entre os jovens se mantém distantes dos “locais”, por alguma razão. Na verdade este isolamento é um tanto mais forte em culturas de hábitos muito distintos.

A questão é bastante lenta, as reservas à integração, por ambos os lados, presentes e constantes. Basta observar-se a apresentação dos japoneses e descendentes no Brasil: raramente casam com não-japoneses. Têm seus bairros, seus clubes, suas empresas. E como os hábitos são bastante diversos dos locais, a adaptação torna-se quase penosa.

Sejam estes hábitos cotidianos, profissionais ou religiosos. Nos dois primeiros casos pode ocorrer certa aproximação entre hospedeiros e hóspedes, todavia no último, diante de extremos como islâmicos ortodoxos e seus vizinhos, os radicais hebreus, jamais ocorre. Basta ver os senhores em roupas pretas circulando por Higienópolis e Jardins, com seus chapéus, casacos, barbas e costeletas imensas, como se andassem pela Varsóvia do século XIX ou as senhoras em véus, de arraigados hábitos islâmicos, pelos lados do Ipiranga, aparentando estarem procurando seus inexistentes camelos.

Discriminamos os diferentes e somos discriminados, enfim, somos assim.


A imposição da extra-forte cultura européia mundo afora e particularmente em toda a América (somos o quintal sujo, como populacho macaqueando seus modos, não esqueçam) acirra a discriminação aos orientais e africanos. Com seus bairros, guetos, favelas e apenas pelo comércio ou trabalho se aproximando com reservas ao que chamaria colonizador original, descendentes diretos de espanhóis, portugueses e ingleses. Inegavelmente, boa ou má, universalmente a cultura romano-européia dominou em hábitos as demais. Basta olhar para nossos trajes, nossas línguas, nossos esportes, nossas marcas de automóveis, nossos nomes e sobrenomes. Opressão cultural, somos vítimas. Me alegro quando vejo os presidentes da Bolívia e Equador ensaiando o uso de trajes próximos aos indígenas, me entristeço quando o quimono dá lugar aos horríveis ternos europeus.

Um belo livro, nos mostra um tantinho desta cultura um pouco misteriosa e distante. Os coreanos!

Comentários (clique para comentar)

Hermó - 25/11/2008 (09:11)

Eu fico orgulhoso que alguns tantos se habilitam e lêem os troços abobrinhosos que escrevo. Outros se irritam profundamente ao receberem os escritos, mas, agradeço, são poucos, pouquíssimos. Quanto a si, MarBidi (quem seria?), admiro seus tão bens lastreados comentários e a indicação de leituras. Adora ler, imagino, temos isto em comum. E portanto meu "site" é seu "site", apoquentando espíritos de antigos espanhóis com o delicioso "mi casa es su casa". Caro Picchi, a si também, hermanito.

b. picchi - 24/11/2008 (13:11)

errata: se quiserem eu PASSO o endereço de um korea bom...

b. picchi - 24/11/2008 (10:11)

Viva a coréia e o churrasco coreano que por sinal é uma delícia, cheio de acepipes ardidíssimos e molhos agridoces para segurar a bronca! Se quiserem passa o endereço de um ótimo, e não muito caro, ainda, talves por terem chegado a pouco tempo por aqui (...).

MarBidi - 19/11/2008 (11:11)

Perdão pela chatice e pela interminável recomendação de leituras - mas, a propósito do tema, recomendo vivamente um livro que talvez vc já conheça: trata-se de "Os meus romanos", de Ina von Binzer,que veio no século 19 creio ao Brasil como preceptora de jovens em fazenda de algum ricaço, também se não me engano, no estado do Rio, e descreve, com uma precisão e atualidade ainda incríveis, os costumes brasileiros: de certo modo, sua visão ajuda um pouco a entender o porquê do "meu país é melhor, mas fico por aqui mesmo". Paz e Terra, disponível em qualquer site tipo Cultura, Saraiva e outros. Abraços.

MarBidi - 19/11/2008 (10:11)

Belo artigo, caro Hermó. Belo artigo. A descrição do que ocorria (e ainda ocorre) em nossas famílias que aqui aportaram, seja como contratadas pela matriz, seja aventurosamente, contratando aqui tão logo perceberam que os nativos são "pau pra qualquer obra", é perfeita. Viveram nossos pais e avós por décadas e décadas, alguns já para mais de século neste país que os acolheu e lhes deu fortuna, e ainda o tratam, pensam e falam como terra estrangeira -- lá, em "nosso país" tão distante e que por vezes a alguns de nós nem mais reconhece como seus, tudo é melhor. Mas, sair daqui, onde a empregada faz de tudo por muito pouco, nenhum de nós quer. Yes sir, somos assim, e deveria ser motivo de vergonha para muitos de nós. (Não penso assim, mas me incluo -- como dizia minha avó: "gato que nasce no forno não é biscoito").