Brasil, 500 anos de violência endêmica
O filho foi assaltado, levaram o carro (ainda bem, deixaram o filho!). Rápido, menos de 10 segundos; jovens negros, bem armados, talvez mal-amados (curiosa a nossa forma imutável de associar a violência aos jovens negros, formalizando a discriminação: jovem; e negro! Porém é fato, a maioria dos assaltantes neste planeta é de negros ou mulatos...*) levaram meu automovelzinho, encostando o revólver ao umbigo do filho, recomendando "não reagir"...
Aciona-se seguradora, ouve-se as perguntas imbecis: o carro estava na rua ou na garagem? (o que importa, onde mais estaria, flutuando no espaço?). Foi furto? Foi roubo? (por que perguntar se consta do tal boletim de ocorrência?)
Bom, nada disto é relevante, a esta altura já deve ter sido desmanchado ou chegado ao Paraguai, a revender-se para a Argentina, onde parece gostam do tipo específico, mesmo mais velho e fora de linha. Nada será investigado, nota-se pelo total desinteresse dos policiais. E sorri o bobo aqui, internamente, quando o assaltado não sabia dizer o que havia sido pior: o ato em si ou mendigar boletim de ocorrência a policiais desmotivados, em greve há semanas. A seguradora levará mês e tanto para creditar algo, ao pior preço possível e a culpar-nos, sem dúvida, por estar com o carro certo, no lugar errado, no momento errado.
Nossa tão distinta maneira brasileiríssima: primeiramente culpamos a vítima e defendemos o meliante pelo seu passado; e antepassados a sofrerem injustiças: de pai para filho agora é momento de reverter-se a questão. O roubo, assalto e assassinato são a vingança do escravo. Dizem. Agüente-se
Os países com a violência endêmica mais representativa são o Brasil, África do Sul, Jamaica, Colômbia, Rússia, México e por aí vai. Todos onde são assassinadas a cada ano mais de 20 pessoas por 100.000 habitantes. Recife com 60 pessoas pelo mesmo número, próximo de Joanesburgo.
Mundo afora, segundo leio aqui na página de Internet da Organização Mundial de Saúde, 1,6 milhões de pessoas morrem anualmente por causas ligadas à violência. 14% das mortes totais de homens e 7% das mortes de mulheres são decorrentes da violência.
Ou seja: nós homens temos 100% de chance de morrer algum dia (óbvio), todavia dentre estas chances, entre 100 de nós indo para o além, 14 morrerão na bala, pancada, facada e de todas as criativas formas a perversa mente humana criou para tal.
Nem tão somente pelas mãos dos bandidos violentos, mas dos governos violentos. Com guerras, execuções e toda sorte de truculência e indiferença se atesta, pois tanto bandidos quanto governos têm muito, demais, em comum: andam sempre bem armados, prontos para a violência. Curiosamente ambos, governos e bandidos, nos recomendam: não reajam! Não se armem! Entreguem sem chiar! Não olhem!
Minha tia, velhinha na distante Halberstadt, lá pelos confins gelados da Alemanha, nunca foi assaltada. Entretanto presenciou a violência extraordinária do regime vigente em sua juventude, além de crudelíssima guerra. Meu filho, 62 anos mais jovem, já foi assaltado três vezes por aqui, em seus poucos anos sobre este planeta, porém escapou de guerras.
Ou seja: a violência nos é inata, por aqui a expressamos sempre, cotidianamente; por lá de vez em quando e de maneira hiper-explosiva.
Porém todos violentos. Somos assim.
* Antes de insinuações sobre questões raciais e o acusar de discriminação, a lembrar que a motivação à violência não é só determinante pela questão da afluência: violência doméstica não escolhe pobres ou ricos. Brasil e África do Sul, assim como os EUA, os grandes violentos, têm grandes populações negras ou mulatas, escorraçadas socialmente de participar do processo de repartir-se o fruto do trabalho. E daí a grande pobreza. A origem da revolta e violência contra o patrimônio e a riqueza é obviamente a pobreza endêmica. Seu retorno operacional é rápido. Garante-se o cotidiano com menos trabalho. E forma esdrúxula do inexplicável momento de comando, de dar ordens a quem normalmente se obedece. Basta a arma.