Ouros e ouros
Hoje vejo o vil metal nas cotações aqui em terra piratininga detona o telhado simbólico dos gráficos cartesianos e vai a 17,5 % de valorização; em único dia. Assustador para quem observa, ruim para quem não investiu e momentaneamente confortante para o especulador a forçar o preço. Entretanto, pelo visto, a queda pode ser equivalente. Haja então uísque e cuidado ao caminhar pela nossa Av. Paulista: a não ser trombado, vindo do céu, por algum especulador em resolvida crise existencial.
Velho metal, confesso nunca entendi corretamente seu simbolismo, porém talvez pela dificuldade de ser encontrado, refinado, sua longevidade e reluzir, com belas jóias, encante a muitos. Pequeno, simples de guardar.
Com doses de pirataria, aventura, garimpos distantes, mulheres fáceis e homens, com perdão pelo horroroso trocadilho, difíceis.
Tão simbólico a tornar-se rótulo, como por exemplo coração-de-ouro para as boas almas, chuva-de-ouro, a bela árvore, bodas-de-ouro pela longevidade e tantos outros ouros a citar. Curiosamente na escrita, ao ases de ouro, os bam-bam-bans grandes mestres da arte recebem, penas-de-ouro ou palmas-de-ouro, pelos roteiros de bons filmes. Globos de ouro, leões de ouro, oscares dourados são parte das premiações.
A terminação de uma grande vida, carreira, epopéia passa por tumbas com letras em ouro, relógios de ouro para presente após tantos anos de casa e medalhas ou troféus de ouro. É ouro para todos os lados.
Neste sábado passado fui ao casamento de adoráveis jovens (mas não jeunesse dorée), almas de ouro. Gente muito próxima a quem nutro a melhor estima possível. Alegres, modestos, criativos, entusiastas e seguros em suas convicções sem intolerâncias, entretanto. Bela cerimônia inicial , com o papelório todo, em cartório aqui de Sumpa, alegrada porém pelo contágio geral do momento mágico e, redundância, dourado. Com inspirada juíza de paz, bem-humorada e informal, a alertar a comitiva dos noivos comportar-se, a não virar aquilo uma zona. Muito jovem a magistrada dos atos familiais, não imaginou uma das vovós engolir em seco, ao pensar a incauta meritíssima nomear o alegre séquito de grupo em reduto do meretrício...casa-de-alegrias...
Belo almoço para os familiares próximos (ambos de famílias, digamos, extensas) seguiu; penso nem imaginavam quantos tantos próximos havia. E, véspera de eleições, surgiram os discursadores; um tio, em breve deseja candidatar-se a prefeito de rincão baiano, tomou da palavra. Sangue, ou restos, de Ruy Barbosa e fluiu o verbo. A mãe da noiva, a dizer em suas recordações do próprio enlace ainda sentir o coração (de ouro) bater forte, quando se aproxima o noivo, hoje seu torto e mal-educado marido. Que, malvado, perguntou baixinho a circunstante, parente novo, se seria forte de emoção ou de raiva. Uma amiga, a lembrar trechos da infância e adolescência; certa tia do noivo, contadora prendada de histórias de infindável carinho e doçura, fala da mágica do enlace. Outra tia completa, aplausos. E mais um e mais outro.
Do início chuvoso surge o sol dourado (sim, sim, lugar comum, conheço as críticas), as gotas de chuva brilham como pepitas no toldo a proteger os participantes.
Por fim a terceira parte, o Polterabend (sejam garimpeiros, procurem na internet o significado), com banda, 45 garrafas de bom scotch, prosseco (e para o seu também!), vinho tinto, águas, cervejas e comida, comida e mais comida. 200 pessoas digladiaram-se em dar parabéns, votos, presentes e last-but-not-least, lutar por uma vaga nos sanitários.
Por volta das 00:30 me despedi, ainda vendo o pai da noiva aplacando o desanimado ímpeto-fiscalizador de policiais, pois uma histérica vizinha distante resolveu seu sono reparador, ela que dorme diariamente em tribunais como funcionária, estava em jogo. Ofereceu sanduíches, sucos, deu o nome, quem sabe para algum futuro processo por perturbação da ordem pública pela festa da filha.
São Pedro vingou-se da criatura vizinha, encharcando o bairro. A banda silenciou, os policiais arrotaram os sanduíches e o silêncio dourado foi reestabelecido.